Primeiro, avaliemos números destas últimas eleições.
Neste domingo, somados, PSD, CDS, IL, Aliança e Chega conseguiram menos cerca de 170.000 votos que a PàF em 2015. A entrada de novos partidos no espaço da direita – e todos eles ferozmente anti-socialistas (diziam-no setenta e oito vezes a cada hora) – não fez aumentar a votação da direita no seu conjunto, não trouxe eleitores desavindos e abstencionistas de volta às reconfortantes urnas.
O que sucedeu à direita foi a saída massiva de votos do CDS para partidos de nicho. As pessoas que valorizam a liberdade económica acima de tudo e que não têm grandes exigências de justiça social foram para a IL. Os mais anti-imigração e anti ciganos e nacionalistas foram para o Chega. Isto, por maus lençóis em que deixe o CDS, não é mau em si mesmo (ainda que a natureza das ideologias da IL – nada a ver com os liberais típicos da ALDE – e do Chega levantem questões, mas isso fica para depois). Permite a clarificação dos valores do eleitorado, bem como o escrutínio destes partidos e dos seus protagonistas, o que neste sentido é bom.
Em todo o caso, não houve nenhuma revolta do eleitorado do centro-direita (votantes da PàF e abstencionistas) em direção aos partidos mais à direita. Os pequenos valem pouco mais de 150.000 votos.
Não só os eleitores não se deslocaram para a direita, como parecem ter-se deslocado para a esquerda e para o PAN, satisfeitos com as contas certas de Centeno ou procurando as causas ambientais. Os eleitores tiveram a oportunidade de votar em conservadorismo social e de costumes, em darwinismo económico e em endeusamento dos mercados, em racismo – e ora bolas que não aderiram.
O PSD, o partido que sobreviveu apesar de embrulhado em ligaduras, vai ter de se redefinir, com qualquer liderança. Pelo menos se quer ganhar eleições. Porque nos últimos 25 anos o PSD só ganhou eleições duas vezes – governando pouco tempo – e sempre para endireitar contas públicas. A única valência que os eleitores vêem no PSD é endireitar contas – e essa agora o PS surripiou-lhe. Para todas as outras questões, os eleitores sentem-se mais representados no PS. E, não, os eleitores não são estúpidos. A política é como os negócios: o cliente tem sempre razão.
O PSD terá de decidir se vai continuar em guerra com o mundo do século XXI ou se vai pegar em causas que até agora abandonou para a esquerda. Que é como quem diz, dar resposta às questões que os eleitores valorizam. Sobretudo os eleitores urbanos e os mais novos. Tem de se olhar para quem vive nas grandes cidades e entender ao que estes cidadãos aspiram.
Não é desprezar o país rural ou fora dos grandes centros urbanos. É perceber que vive metade do país só em Grande Lisboa e Grande Porto e que são estes os eleitores mais difíceis de satisfazer.
O PSD tem de tomar como suas as questões ambientais, que são cruciais para os jovens. Em boa verdade, já o começou a fazer. Rio assumiu-o como tema de campanha e Filipa Roseta, a cabeça de lista por Lisboa, tem na sustentabilidade ambiental um dos seus temas de estimação. Não sei o que terá influenciado, mas a verdade é que PSD foi o partido mais votado nos eleitores entre os 18 e 24 anos. (Por outro lado, vi alguns sociais democratas no twitter, aquando da greve climática, escrevendo que era uma manifestação socialista. Confesso que tive pena de pessoas tão ultrapassadas pelo ano de 2019. Se estas fações vingarem, PSD será partido a definhar.)
Tem de ser um partido que defende a livre iniciativa, a economia de mercado e um estado não obeso nem esmagando com impostos a população. Porém sem esquecer os abusos de poder das grandes empresas. Ou que os mercados, como qualquer construção humana, são falíveis e criam também resultados injustos, tendo de ser corrigidos e contidos. O caminho do PSD não deve ser o darwinismo económico e social da IL.
Atenuar desigualdades económicas e de oportunidades tem de estar no programa do PSD. Os assuntos de representatividade nos lugares de poder das pessoas tradicionalmente excluídas – mulheres, minorias – são essenciais. Não vale a pena gritar histericamente contra políticas identitárias – já toda a gente percebeu que isso é maneira de continuar a excluir os excluídos. A hostilidade a um papel igualitário das mulheres na sociedade também não procede – pela razão mais humana de todas: metade dos eleitores têm filhas, às vezes filhas únicas, e não cai bem que lhes tentem cortar as asas.
Temas como habitação e a mobilidade são fulcrais. PSD quer rever os vistos gold para os tirar do mercado imobiliário de Lisboa e Porto; muito bem, mas não chega A qualidade de vida nos centros urbanos vive e morre consoante o tempo que se perde nas deslocações entre casa e o trabalho. Transportes públicos bons, frequentes, baratos. Talvez a batalha das obras públicas das autoestradas tenha terminado e a batalha das pontes e comece o tempo das linhas de metro e ferrovias esteja prestes a começar.
As artes e a cultura fazem parte da vida dos citadinos. As filas para as exposições que há por Lisboa não são de turistas (alguns têm melhor oferta nos seus países), mas de locais. Sempre que vou ao teatro vejo as salas quase cheias ou esgotadas. A ideia de apenas gastar na recuperação do património é de merceeiro do século XX que não tem vida além da tesouraria na caixa registadora. Somos um país pequeno e cabe ao estado financiar bens culturais que não são rentáveis apenas com o público – e, já agora, levá-los para fora das grandes cidades. (E rever os financiamentos por amiguismo.)
Por fim, abandonar tontices com casas de banho de miúdos transgénero, beatices avulsas e birras com Lisboa. De caminho, exterminar o hábito pavloviano de gritar que é socialismo (como faz a direita mais tonta) perante tudo o que não seja conservadorismo atávico ou saravás sobre o capitalismo sem freios. Não será complicado.