Eu ainda sou do tempo em que o monopólio do ódio estava à esquerda. Nos tempos socráticos lembramo-nos como era: uma clique agressiva – de jornalistas, comentadores e bloggers – que qualquer voz dissonante do amor incontestado ao magnífico líder tinha à perna repetidamente. Depois veio a troika, o governo da coligação PSD-CDS e, no meio de críticas válidas e pertinentes a tantos erros daquele governo, havia o ódio. Certamente que usar o cancro da mulher de Passos Coelho para atacar o marido foi um momento miserável, não?
Mas o mundo mudou e os papeis trocaram-se. Por cá, a esquerda apaziguou-se com a geringonça. Parte da direita, não sei se foi o efeito Trump – com os constantes ataques rasteiros e impróprios do combate democrático alvejando os opositores políticos – que a contagiou. Mesmo aquela parte que revira os olhos quando se fala de Trump, mas lhe adotou o tom de agressão permanente, os temas políticos, o espicaçar ódios como forma de obter adesão. Trump deu a parte da direita uma espécie de licença para odiar. Que essa parte da direita apaixonadamente arrebatou, e, desde então, verte ódio por todos os lados.
Uma adolescente faz uma luta de adolescentes pelo futuro da sua geração? Ódio. Um assessor da Assembleia da República vai de saias? Ódio provinciano em abundância. Acusações de querer dar nas vistas (onde já se viu um político querendo dar nas vistas? São personalidades tão dadas ao low profile, geralmente nem se consideram nunca as criaturas mais infalíveis que os deuses colocaram neste país.) A malta da liberdade de expressão absoluta, incluindo direito a insultos e discursos apologistas de racismos e sexismos e homofobias, perdeu a cabeça com a liberdade de expressão de um homem feita através da roupa. E, claro, temos Joacine Katar Moreira, que tem levado com uma torrente de ódio desta direita nascente (ou renascente). Afinal é de esquerda, é mulher e é negra.
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