Quando refletimos sobre quem queremos a governar um país, uma cidade ou uma entidade pública, o bom senso leva-nos a imaginar alguém sério, competente e racional. Não alguém que fique bonito nas fotografias e seja bem falante nos debates, porque sabemos que qualquer vendedor tem essas características e não queremos ser enganados por uma pessoa que parece estar a comercializar votos ou apoios. Além disso, a visão que durante muito tempo se teve do político seria a do estadista grave e impassível, com 100% razão e 0% emoção. No entanto hoje sabemos que essa é a definição de psicopata – alguém que pode parecer normal e até mesmo ser encantador, mas a quem falta consciência e empatia, sendo manipulador e perverso. Temos muitos casos na História de psicopatas que utilizaram ditaduras para chacinar cruelmente milhões de seres humanos. Já na democracia moderna, um psicopata é muito mais difícil de expor, porque está dependente de órgãos de supervisão e é constantemente maquilhado por técnicos de imagem e marketing. Mais ainda, a sua personalidade, naturalmente cativante e magnética, coloca-o na dianteira em eleições e no escrutínio público, dada a capacidade inata de fingir emoções. E isto deveria colocar de sobressalto qualquer cidadão comum dos nossos dias, descansado na confiança na Democracia, mas que a qualquer momento pode estar nas mãos de um governante assim.

Se fizermos um retrato generalista do político do sul da Europa, o quadro não é famoso. São celebridades egocêntricas que consideram ter o direito inato a uma série de honras, como motoristas, vénias dos múltiplos assessores e secretários, refeições faustosas, subserviência da comunicação social e da população em geral. Mesmo aqueles com cargos de poder limitado, levam-se demasiado a sério. O “eu” é mais importante do que o “nós” na altura de tomar decisões sobre o seu próprio futuro. O pior no meio disto tudo é o povo ser servil, adulador e considerar estes gastos necessários para a honradez e dignidade dos cargos públicos.

Já no norte da Europa, em países muito mais ricos do que nós, os governantes vão para o trabalho de metro, não vivem em sumptuosas mansões públicas, os deputados têm senhas para a lavandaria e almoço, apenas um assessor, parcos recursos materiais e mesmo assim conseguem fazer um serviço muito melhor à população. Isto será uma consequência ou resultado do maior nível de desenvolvimento económico e social? Seja o que for, imaginemos que se impõe um regime destes aos nossos políticos: seria a indignação geral na comunicação social, os comentadores iriam para a televisão falar de desrespeito institucional, espírito antidemocrático e o próprio povo, carente e sofredor, viria para a rua em defesa dos seus patronos. Estes últimos, nos seus sumptuosos gabinetes, assistiriam com regozijo ao levantamento popular, antes de chamarem o motorista para os levar para jantar no melhor restaurante da cidade.

A realidade é que em Portugal há uma enorme distância entre eleitos e eleitores, que se intensifica quanto maior é a importância e poder do cargo. Nas suas visitas ocasionais aos pobrezinhos perante as câmaras de televisão e as reportagens pagas, há um profundo afastamento da verdade e insensibilidade para com o sofrimento. Faz lembrar a descrição de Orwell dos reformadores sociais britânicos, nas suas poltronas a identificar as vítimas, por quem tinham desprezo, ao mesmo tempo que imitavam os ricos, de quem tinham inveja. Talvez os políticos sejam isso e muito mais: apresentadores de concursos com discurso ensaiado, às vezes encantadores de serpentes, ou atores numa novela mexicana. Mas o mais importante e factual é que não são livres: estão dependentes de subsídios, avenças, lobbies, favores e futuros cargos públicos. E esta prisão em que os servidores públicos eleitos se colocaram, só tem uma chave – e quem a detém é naturalmente o povo, que pensa ter os governantes encarcerados pelo voto, mas a verdade é mais sinistra: é o povo que está nessa prisão, sem querer abrir a porta.

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