A queda do Bloco de Leste abriu a porta do Palácio do Poder a uma nova elite. Uma oligarquia que, em vários países que permaneciam tapados pela cortina de ferro, soube preparar o advento da nova era. Por isso mandou alguns dos seus membros estudar em universidades ocidentais matérias que não tinham utilidade no modelo de economia de planificação central.
Matérias que viriam a ser úteis quando uma oligarquia tomou conta das privatizações e se tornou dona de impérios económicos que incluíam não apenas os meios de produção, mas também o sistema financeiro e a comunicação social.
Uma elite que copiou e aperfeiçoou os métodos da antiga «intelligentsia» de forma a capturar o poder. O esbater do elemento ideológico e a recusa do comunismo foram acompanhados da manutenção de serviços secretos. Mudou o amo – o Partido Comunista – mas o sistema manteve-se. Tal como o ódio pelo modelo ocidental. Uma realidade que não se reduz ao Leste da Europa.
De facto, na investigação sobre o terrorismo a que me tenho dedicado desde há alguns anos, um dos elementos que procuro perceber prende-se com as motivações. Afinal, o que leva um número tão significativo de pessoas, sobretudo jovens, a virar costas ao modelo civilizacional em que cresceram?
A resposta é complexa e não se traduz nas explicações que o senso comum é rápido a apresentar. Como o recurso à figura do «coitadinho» que se radicalizou porque tudo lhe foi negado.
Sendo certo que as motivações decorrem a nível individual, talvez se possa adiantar que a principal causa da adesão aos grupos jihadistas reside no ódio à civilização ocidental. Uma repulsa inculcada em locais que deveriam ser de culto e através das redes sociais. As mesmas que prometem o céu na terra ou o direito à vida eterna se acompanhada da condição de mártir.
Um ódio por valores que o Ocidente demorou séculos a alcançar. Como a liberdade nas suas diversas manifestações e modalidades.
A repulsa pela mundividência ocidental é, a meu ver, comum a oligarcas, como Putin, e a grupos terroristas como o Daesh ou a Al-Qaeda.
Uma constatação obviamente recusada por todos aqueles que, no Ocidente, continuam a olhar para a Federação Russa de Putin como se estivessem a admirar a URSS de Estaline.
Uma esquerda e uma extrema-esquerda que fingem não perceber a nova realidade russa. Tal como insistem na recusa do modelo que, durante décadas, ousou enfrentar a sovietização do Mundo, em geral, e do Ocidente em particular.
Não admira portanto que essa esquerda e extrema-esquerda aceitem como boa a posição de Portugal na questão provocada pelo envenenamento em Salisbury do ex-espião russo Serguei Skripal e da sua filha. Invocam a falta de provas como argumento. Esquecem intencionalmente o historial de incongruências que tem acompanhado a vida política de Putin. Tudo em nome da paz e da concórdia dos povos. A forma revisitada do grito proletário de outrora.
Se fosse a NATO ou os Estados Unidos ou a União Europeia que estivessem em causa, a posição seria diferente. A acusação dispensaria a recolha de provas e o julgamento.
O muro de Berlim caiu em 9 de novembro de 1989. Foi há pouco tempo para quem faz da condenação do modelo ocidental a razão da existência.
Alguém que continua a não querer estar do lado certo da História. Alguém que teima em sonhar com amanhãs que cantam. Em russo, obviamente.
Professor de Ciência Política