A mitologia intergeracional é um fenómeno que acompanha todas as gerações e o sentimento de que no “nosso tempo é que era” ataca-nos com o avançar da idade. Para alguém nascido no final da década de 80 estão reservados alguns rótulos, dos quais os três “Pês” anteriores traçam um retrato do que a geração dos nossos pais pensa de nós.
O primeiro “P” retrata uma geração de “Putos”, que ironicamente é o resultado da educação que os nossos pais nos deram. Ao passarmos duas décadas e meia das nossas vidas a prepararmo-nos para ser adultos, e beneficiando da capacidade de estudar que muitos dos nossos antecessores não tiveram, tornámo-nos dependentes dos “papás” durante mais tempo, o que atrasa a nossa caminhada para a independência.
Somos pais (quando somos) cada vez mais tarde, gozamos dos privilégios do nível de vida de um país de quase Primeiro Mundo e temos uma capacidade de usar tecnologia sem precedentes, mas, simultaneamente, e com a desajuda dos dois “P” seguintes, tardamos em sair de casa dos pais, a abdicar da marmita da mamã ou, ainda mais importante, a aprender a gerir os nossos recursos financeiros!
Este mito, que tem certamente um fundo de verdade, é desculpabilizado pelos nossos pais, pois eles sentem-se em condições de afirmar: “Coitados dos putos, como podem pensar em desamparar a loja se não passam de uns precários e pelintras?”
De facto, e comparando com o tipo de emprego que a geração dos nossos “cotas” teve, somos uns precários, já que, tal como o próprio nome indica, as nossas relações laborais (quando existem) são pouco estáveis e duradouras. Os nossos tempos, fruto da disseminação da tecnologia e conhecimento, são muito mais dinâmicos. Por imposição ou opção, nem as empresas se podem dar ao luxo de garantir emprego para toda a vida, nem os putos estão disponíveis para passar a vida a repetir a mesma tarefa.
A precariedade (apesar de carregada de preconceito ideológico) é encarada com naturalidade por uma boa parte da geração dos três “P”, já que viver toda a vida para a mesma tarefa, ou trabalhar sob as ordens de um “patrão ditador” é algo que estamos menos dispostos a aceitar. Quando acreditamos nas nossas capacidades, passam a ser os empregadores a correr atrás de nós (e não o contrário) e a pergunta central passa a ser frequentemente: “Preferes ser precário num país de oportunidades ou ter um contrato sem termo onde elas não existem?”
Quando introduzimos o terceiro “P”, e visto que à escala europeia somos cada vez mais um país de pelintras, a emigração passa a ser uma opção chave para muitos e depois de experimentarmos ser um pouco menos pelintras, raramente queremos voltar atrás. Numa adaptação do adágio popular, de cavalo para burro poucos gostam de andar!
A clivagem geracional entre a geração dos 3 “P” e os seus antecessores faz emergir problemas dificilmente ultrapassáveis, visto que os direitos que a geração anterior adquiriu foram fundamentalmente resultado do recurso ao crédito, ou seja, consumindo acima da riqueza que foram capaz de criar. O ónus do pagamento desse crédito irá cair sobre uma geração que, para além de ser menor em número do que a anterior, tem muito maior facilidade em procurar oportunidades noutros pontos do globo. Coloco a seguinte dúvida: será mais inteligente emigrar ou bastará processar os nossos antecessores?
Voltando à interrogação dos nossos “cotas”, ou seja, como podemos desamparar-lhes a loja? Ainda mais, quando nos centros das nossas principais cidades o boom do turismo nos mostra que cada vez mais este país não é para nacionais! Já estou a ver um dos nossos antecessores a barafustar: “Danados dos especuladores estrangeiros que decidiram expropriar-nos das nossas cidades!”
De facto, é um fenómeno paradigmático. Liberalizámos um setor e em poucos anos apareceram vários investidores, que ajudaram a reconstruir a nossa economia e as cidades, mas acabaram por nos expulsar delas! Que será que eles têm que nós não temos? A resposta é muito simples: capital.
E como poderemos nós rivalizar com esses investidores? Talvez olhar para o exemplo do setor do turismo e ver o que levou a que crescesse tanto nos últimos anos. Uma mistura de desregulação, diminuição da importância da TAP e investimento assertivo na marca Portugal fez todo um setor florescer.
Porque não, alargar esta fórmula a outros setores da economia? É que já nem o capital nos falta, pois diz-se que vem por aí uma bazuca de dinheiro!