Quem assistiu ao último debate do estado da nação, viu-se perdido no país maravilhoso de Costa e Brilhante Dias, um Portugal que não pára de convergir com a média da União Europeia, onde a descentralização vai avançar fervorosamente, que vai ter um crescimento fantástico este ano, em que as creches vão ser gratuitas e até um novo hospital vai nascer em Lisboa. Não fosse o fantástico crescimento deste ano apenas nos fazer recuperar os valores de 2019 e ninguém ter percebido quanto nos vai custar a parceria público privada que, curiosamente, envolve a tradicional construtora do regime, e este mundo de fantasia até nos podia convencer a visitá-lo.

A forma como António Costa decidiu destacar os Ministros do Ambiente e Cultura para intervir neste debate, em que Saúde, Administração Interna, Economia ou Finanças deveriam ser a prioridade, mostra bem a displicência com que o parlamento atual é tratado. A arrogância e soberba de quem consegue ser mais arrasador que Ventura e as suas cheerleaders, que perante as questões de 17 diferentes deputados consegue gastar apenas 1 minuto a simular uma resposta, que já não tem vergonha de passar a ideia de que não está minimamente interessado em prestar contas, conseguindo mesmo a fantástica proeza de nos pôr a achar que afinal Rui Rio tinha razão e o escrutínio que os debates quinzenais supostamente trariam é desnecessário.

O PSD, que deveria estar rejuvenescido com um novo líder, mostrou com a escolha de Miranda Sarmento para opositor de Costa que a letargia atual é para continuar. Alguém com craveira intelectual e percurso profissional relevante, mas sem experiência parlamentar, que tem a tradicional capacidade de um bom economista de fazer rapidamente adormecer quem o ouve, torna-se num alvo fácil para um político com mais de 20 anos de experiência governativa e discursiva, não tendo perfil para colocar pressão no governo e proporcionar um melhor escrutínio parlamentar.

Naturalmente, o novo líder parlamentar do partido que supostamente deveria liderar a oposição acabou atropelado, tendo que responder pelo seu passado como escritor e sendo mesmo colado a Passos Coelho e à Troika (o bicho papão que um antigo nº 2 de José Sócrates continua a ter a lata de atirar aos adversários políticos), acusações que Miranda Sarmento foi respondendo de voz embargada e trémula, demonstrando mais uma vez aos portugueses que este PSD é incapaz de confrontar eficazmente o PS e deixando a Cotrim Figueiredo a dura tarefa de aguentar sozinho as despesas da oposição não extremista.

No seguimento do debate, Duarte Cordeiro dissertou sobre a seca extrema que atravessamos, alterações climáticas e o quanto o PRR nos vai ajudar a mitigar os seus efeitos, culminando com a frase “está em curso a reforma da floresta”, que nem que seja por fruto dos próprios incêndios é uma profecia que tende a realizar-se. Na intervenção de maior qualidade do governo, com conteúdo, assertivo, num discurso vivo e contrastante com o ministro que o seguiu, acrescendo ainda estar a dirigir uma pasta ministerial a que não faltarão fundos, estamos perante um sério candidato a discutir com Pedro Nuno Santos a futura liderança do PS.

Para completar o guião desta tarde parlamentar deprimente, o Ministro da Cultura teve a oportunidade de finalizar o debate. Numa intervenção sem chama e a fazer relembrar alguns dos espetáculos que o seu ministério financia, cujo momento alto passou por relembrar que nesta legislatura comemoramos os 50 anos do 25 de Abril de 1974, como se para tal não fosse suficiente ver subir o antigo comissário destas festividades ao púlpito. Pedro Adão e Silva, que não se livra da imagem de só ter sido nomeado para a referida comissão como prémio pela sua atividade como comentador “isento”, proporcionou uma bela algazarra parlamentar e justificou bem o motivo da sua escolha como ministro, sempre que necessário será lançado para a arena, provocará o burburinho na bancada do Chega e garantirá que este espetáculo não termina. Que a “bola e alguns tolos” continuam a entreter o país.

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