Por mais que não pareça, as horas são todas desiguais. Nunca se repetem. Raramente se assemelham. Muito poucas acabam por ter o tamanho que deviam ter.

As horas intensas e arrebatadoras parecem repentinas e voláteis. Assim como desabrocham logo se esgueiram para que, a seguir, impacientes, acabarem por fugir. Como se o destino lhes exigisse que tudo o que é bom passe a correr.

As horas enfadonhas, chamando a si aquilo que devia acontecer com as horas intensas e arrebatadoras, são intermináveis. Chegam a doer no corpo. E trazem consigo um torpor de pânico. Tal é a forma como nos parecem carcomir. Da pele, alma adentro, até ao sangue.

Depois, há as horas de expediente. Que raramente são intensas. E que, um ror de vezes, dão a sensação de nos empanturrar com detritos e com lixo. E são de um formato que fica entre o perder tempo, o encher o tempo ou o matar o tempo. Tanto faz. Muitas delas, são horas de trabalho, como se convencionou dizer. Mas talvez a maioria esteja entre as horas de despacho e a modorra. São enfadonhas. Mais do que parecem.

Muitas das horas dos nossos dias são assim. De expediente, claro. A sua toxicidade é tão intensa que, por causa delas, o tempo que nos sobra quase nunca se transforma em tempo livre. A ponto de ser pouco, muito pouco, o tempo que nos damos para viver.

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Somos todos muito bons na arte de perder tempo. Desperdiça-mo-lo, constantemente. Ou porque há pessoas que o ocupam quando nos usam para se ouvirem. Ou porque nos deixamos hipnotizar pela tecnologia e ela galopa sobre a forma desatenta como nos damos à vida. Ou porque criamos perfis e nos editamos em imagens e tudo isso serve para fugirmos de nós mesmos. Porque andamos todos cheios de pressa, aceitamos como razoável que precisemos de parar para pensar. Ou de abrandar para perceber a beleza das coisas. Por mais que, muitas vezes, não o façamos para não reconhecer que, de vez em quando, as pessoas são más e são feias e são, mesmo, piores do que todos imaginámos que elas fossem. Ou, ainda, porque acabamos por nos desenhar numa vida que desejávamos ter e ela, um ror de vezes, não condiz com os nossos dias.

Da forma como todos perdemos tempo desabafa-se, igualmente, pelo jeito como falamos da vida que sentimos que nos venha a fazer falta, através das angústias de morte que se insinuam, tantas vezes, pelo meio de nós. Que, vendo-as bem, representam uma ânsia de vida insatisfeita. Talvez porque viver depressa não suponha, realmente, que se viva.

Viver depressa ou viver em stress não são a mesma coisa. Por mais que nos desculpemos da pressa com o stress. Há quem viva depressa porque o entusiasmo que sente leva a querer corresponder a todos os apelos de todas as vidas que vivem em si; e, entretanto, se perde por entre eles. Há quem viva depressa com a sensação de que se pode viver muito em pouco tempo, e que isso é uma espécie de missão. Serão assim os millenials, por exemplo. E há quem viva depressa porque viver depressa serve, sobretudo, para fugir do stress e empanturrá-lo com mais agitação e mais stress. E mais agitação. E mais stress. Regra geral, vivermos depressa é o argumento sempre à mão quando se trata de nos desculparmos da forma distraída como nos confiamos à vida. Como se fossemos vítimas dela. E das suas faltas de atenções para connosco. Mas não: a culpa da vida que não temos não é do stress. É da pressa! E, também não, não é por se viver depressa que se ganha tempo.

Tanto é assim que há poucas coisas a que uma pessoa se dê com tanta alma que, nesse mesmo momento, a faça sentir atenta à vida (ou ao momento) que está a viver. E isso é estranho. Está-se lá; é verdade que sim. Sente-se o corpo como um cockpit atarefado a processar sinais sobre sinais que lhe chegam de dentro de si e do exterior. Controla-se uma imensidão de pormenores que dão a ilusão de se estar concentrado nas tarefas que se têm em mãos e aos comandos daquilo que se vive. Mas, anos mais tarde, quando se olha para trás, persiste a sensação de se ter vivido demasiados episódios depressa de mais. Como se não se gastasse a vida em busca de vida e de mais vida. Ou se se tivesse com ela uma relação de um avarento, que a encobre com usura. Uns e outros “vivendo-a” cheios de pressa. Que é uma forma minimalista de reconhecer que lá estiveram. Mas não com a alma toda. A pressa é uma perda de tempo!

Por tudo isto, a questão que se devia pôr será: “Qual é a pressa?…”. Por que motivo fomos construindo um mundo onde, em vez de sermos amáveis e empáticos com a vida — que requer tempo, sensualidade, pormenores, paciência, entusiasmo e desejo — preferimos a pressa a sermos livres? Porque é que a alegria das coisas nos tem de ser trazida pelas vidas coloridas que construímos, à pressa, nas traseiras do que somos, como se a vida só nos convidasse para horas de expediente e nada mais? Porque é que pomos pressa na vida, pressa no crescimento, pressa na forma como se aprende e pressa na forma como nos queremos transformar: será que só à pressa se pode ser feliz? E porque é que tudo o que se não faz com pressa parece parado no tempo, quando todos precisamos de horas intensas e arrebatadoras para perceber que só cresce depressa quem pensa devagar?