É quase enternecedor ouvir a versão da fuga dos cinco detidos na cadeia de Alcoentre, feita por especialistas em sistemas prisionais e em segurança.

Ao que foi dito, as camaras de videovigilância da prisão estavam activas e em normal funcionamento, a central de controlo e visionamento estava devidamente guarnecida de guardas, mas em pleno dia e no curto lapso de seis minutos, foi montada uma escada trazida do exterior, e os reclusos saltaram o muro e puseram-se ”ao fresco”, sem que ninguém os interceptasse.

Foram os “guardas que falharam”, aponta, tardiamente, o ex-director demitido dos Serviços Prisionais.

O certo é que não faltaram as “cabeças pensantes” a sentenciarem a preparação metódica e muito profissional da operação de fuga — já ensaiada na cadeia de Monsanto, ao que parece —, o que não deixa de ser uma confissão de incompetência de quem deveria zelar pelo correcto funcionamento do sistema de vigilância da prisão, e um elogio à capacidade operacional dos evadidos, alegadamente, ajudados do exterior por elementos com preparação “militar” ou “mercenários”, o que é um convite a outro tipo de perplexidades.

Nesta evasão de presos considerados perigosos, a nota mais picante foi, no entanto, o facto incomum de ter sido um outro detido a dar conta aos guardas da ausência dos companheiros, segundo noticiou o “Correio da Manhã”, sem desmentido.

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A partir daí, as demoras verificadas em dar o alarme e em prevenir as autoridades competentes da fuga, para desencadearem a necessária perseguição – e até os atrasos verificados na emissão dos mandados de captura internacionais -, têm o direito de entrar no anedotário nacional. Para não lhe chamar outra coisa…

Parecido, só o que aconteceu, em junho de 2017, em Tancos, quando foi assaltado o paiol onde era guardado material militar diverso, com grande à-vontade e proveitosa recolha, sendo os autores mais tarde julgados e condenados, no meio de farta polémica e de peripécias que mancharam não apenas a Instituição militar, como o próprio poder político à época.
Ouvida agora a ministra Justiça, Rita Júdice, o que disse sobre o filme dos acontecimentos, com base no relatório preliminar, foi bem revelador da degradação funcional das nossas prisões.

A evasão dos reclusos, com cúmplices à espera no exterior, provou as vulnerabilidades de Alcoentre, tal como o assalto a Tancos demonstrara o estado de desleixo em estabelecimentos militares, até naqueles tidos por mais seguros.

Tanto num caso como noutro, sublinhou-se a minuciosa preparação dos protagonistas, legitimando uma conclusão óbvia: a repetida vulnerabilidade dos sistemas de segurança, tanto prisionais como militares. Somam-se as perplexidades e percebe-se melhor que o País anda “ao Deus dará“…

Curiosamente, em Outubro de 2017, foi aprovado em Conselho de Ministros, um pomposo documento intitulado “Olhar o futuro para guiar a acção presente – Relatório sobre o sistema prisional e tutelar”, da responsabilidade da então ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, que preconizava um conjunto de medidas para serem implementadas e cumpridas durante uma década, “com o objectivo de racionalizar e modernizar a rede de estabelecimentos prisionais (EP) e de centros educativos (CE) num contexto mais alargado do Sistema de Execução de Pena e Medidas Tutelares Educativas”.

Que se saiba, ficou tudo mais ou menos no “tinteiro”, como aliás, era timbre dos governos socialistas. Anunciavam-se grandes projectos e reformas de largo espectro, uma e outra vez, que depois não saiam do papel.

Já nessa altura, como recordava o “Expresso” online e bem, Francisca Van Dunem justificava a proposta devido a “um continuado desinvestimento nos equipamentos de segurança, viaturas, CCTV, pórticos, raio X e outros, e uma depauperização dos recursos humanos e materiais adequados para fazer face às necessidades”.

De pouco ou nada valeram tais conclusões, suficientemente graves para impor um investimento urgente no reforço da segurança prisional, o qual ficou pelo caminho, à mercê das cativações cegas de Mário Centeno ou por motivos obscuros e de apatia governativa.

Apesar do diagnóstico alarmante, feito há sete anos, empurraram-se os problemas “com a barriga”, a ministra cessou, entretanto, funções, e retirou-se tranquila para gozar uma confortável pensão de reforma, enquanto juíza conselheira do Supremo Tribunal de Justiça — lugar que nunca exerceu —, e tudo continuou na “paz do Senhor”…

Por isso, não é de estranhar, a propósito desta evasão da cadeia de Vale de Judeus, que a actual ministra da Justiça tenha reconhecido que se tratou de uma “situação extrema e de uma gravidade sem nome”, e que haja admitido, numa critica directa ao governo de António Costa, que “a situação que encontrámos no Ministério da Justiça, quando tomámos posse, foi profundamente complicada, muito para além das dificuldades que imaginávamos. Esta situação do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus vem pôr a nu algumas dessas fragilidades”.

Rita Júdice anunciou, ainda, uma auditoria urgente aos sistemas de segurança das 49 cadeias que existem em Portugal. Oxalá não seja mais um documento destinado a amarelecer na “cesta secção” …

Esta fuga bem-sucedida teve, contudo, o condão de aliviar a pressão que estava a ser exercida sobre a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, confrontada com um assalto caricato às instalações da secretaria geral do Ministério, através de uma janela do edifício, neste caso, sem que as camaras de videovigilância estivessem sequer ligadas e dessem pelo intruso.

Terá sido uma câmara vizinha, que detectou o assaltante e o filmou, possibilitando a detenção do suspeito em poucos dias. Azar do assaltante…

Tudo isto é surreal e próprio de um “país de opereta”, herdado por Luís Montenegro, sem saber muito bem aquilo em que se metia, como aconteceu com a ministra Rita Júdice, conforme desabafou.

Perante o a “desarrumação crónica” que grassa no País, e não apenas na PGR (em relação à qual Rita Júdice garantiu que “precisamos de um novo procurador-geral que ponha ordem na casa”), convirá ao governo “arregaçar as mangas”, não perder tempo com querelas menores, e tomar as rédeas da iniciativa que a deterioração do Estado claramente impõe.

Hospitais e escolas publicas, tribunais, sistema prisional, quartéis, tudo parece estar a funcionar “preso por arames”, enquanto Pedro Nuno Santos, no resguardo da oposição, parece fingir que aterrou, vindo de outra galáxia, sem ter nada que ver com os governos socialistas, onde ocupou uma posição preponderante até cair em desgraça. E ainda tem o topete de advertir que se o governo quer viabilizar o Orçamento, “então o Governo tem a obrigação de ceder ao PS”.

Ou seja, exige-se que Montenegro pendure ao pescoço o programa dos socialistas e não se desvie dele nem um milímetro. É uma espécie de “eutanásia política” o que Pedro Nuno recomenda, para abreviar o “sofrimento” da coligação sobre o destino do Orçamento. Ou do seu fatal desenlace.

O discurso de Pedro Nuno, lembra, irresistivelmente — salvaguardadas as naturais distâncias —, o de Lucília Gago, ainda Procuradora Geral, que, tanto na entrevista que concedeu em julho à RTP, como agora ao ser ouvida no Parlamento, conseguiu não fazer a menor autocritica em relação o seu percurso, nem responsabilizar ninguém na estrutura hierárquica do Ministério Público, endossando para terceiros as culpas daquilo que correu mal.

Quando se fala de fugas de informação, por exemplo, convirá recordar, o aparatoso “desembarque” no aeroporto do Funchal, de equipas mistas de investigadores, numa megaoperação sob a tutela do DCIAP, perante suspeitas de alegada corrupção naquela região autónoma, precedido da chegada de jornalistas, informados de antemão. Quem os avisou? Ou tratou-se apenas de um apurado “espirito santo de orelha”?…

Portanto, se houve deputados que saíram frustrados da audição parlamentar, decerto isso deveu-se somente a algum problema de comunicação ou atávica má vontade…

Do mesmo modo, que quem aplaudiu Marcelo Rebelo de Sousa por desejar saber, com antecedência, o nome que Luís Montenegro “tem na manga” para liderar a Procuradoria nos próximos seis anos, só estará a valorizar o zelo presidencial em não se deixar surpreender.
Conforme enfatizou, o Presidente rejeita a política de facto consumado, sobretudo quando se trata do futuro titular da Procuradoria. E tem razão, inferindo-se que a exigência não será nova, nem diferente da seguida anteriormente, quando Marcelo validou a proposta de António Costa com o nome de Lucília Gago.

Ou seja, como não costuma “assinar de cruz“– conforme teve necessidade de recordar aos jornalistas —, deduz-se que Marcelo terá sido inteirado, atempadamente, do perfil da magistrada candidata a substituir Joana Marques Vidal, embora esta estivesse disponível para um segundo mandato, ao que constou à época.

É importante saber-se do acompanhamento de proximidade e da vigilância presidencial, nesta como noutras matérias, não permitindo a Montenegro a veleidade de “pisar o risco”, e imitar os vários “erros de casting”, cometidos por António Costa, no governo e fora dele…
Afinal, não lembrou o Presidente, para atalhar especulações, que “a palavra final tenho sempre, porque sem a assinatura do Presidente não há procurador”.

Se alguém, por acaso, ainda duvidasse, confirmou-se que a Procuradora Geral, Lucília Gago, foi uma escolha consensual. Costa propôs e Marcelo não “assinou de cruz”. E poderia ter sido de outro modo?

Como a PGR está em fim de mandato, aguardemos que o sucessor ou sucessora de Lucília Gago, seja capaz de “arrumar a casa”, para sossego de Rita Júdice.

E, se não for pedir demais, que seja alguém capaz de liderar no topo da hierarquia, exercendo-a ou não nos termos da controversa directiva assinada por Lucilia Gago e contestada, há três anos, pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, junto do Supremo Tribunal Administrativo, cujo resultado continua “fechado a sete chaves” …
Afinal, segundo a Procuradora Geral, contrariando os maldizentes, a sua directiva de 2020, que reforçou a hierarquização do Ministério Público, está em vigor. Que uso fez dela, não se sabe.

Nota em rodapé — Subitamente, a capital foi invadida por dezenas de painéis electrónicos sobredimensionados de publicidade, colocados nas principais artérias e eixos viários.
Esta poluição visual, e os riscos que implica, constituem um atentado contra normas basilares de segurança rodoviária.

Carlos Moedas, embora conceda ser um exagero, sente-se “refém” do contrato celebrado pelo mandato autárquico anterior, para a colocação de “mobiliário urbano” na cidade, mas ao qual se vinculou, alegadamente, para evitar o reinício de todo o processo.

Propõe-se Moedas suspender a colocação de outros painéis de grande formato e “negociar” as localizações dos instalados. Basta avaliar, contudo, o descritivo do “mobiliário urbano”, com farta publicidade, para se ficar de “cabelos em pé” perante a ingenuidade da vereação que aprovou o contrato e do executivo municipal que o sancionou.

Resta saber como vai acabar este imbróglio e quanto vai custar a eventual reversão do contrato, com a duração de 15 anos.

Fez bem o ACP ao desencadear uma providência cautelar, invocando os efeitos potencialmente nocivos dos painéis sobre a atenção dos condutores. Depois das trotinetas e bicicletas, “sem rei nem roque”, só nos faltava a ganância dos publicitários em “roda livre” …

Nota em rodapé 2 — A “primeira morte” do icónico Cineteatro Monumental — inaugurado em Lisboa a 8 de novembro de 1951 —, ocorreu em 1984, quando o Município autorizou, levianamente, a demolição do edifício, substituído por outro supostamente mais moderno e funcional, embora obrigado a repor as salas de exibição cinematográfica. E assim aconteceu.

A “segunda morte”, foi mais recente, com a reconversão do edifício para albergar um Banco, mas com a garantia prévia e pública dos proprietários de, concluídas as obras, reabrirem o espaço ao cinema.

Acontece que os “donos da obra” decidiram agora “dar o dito por não dito” e recusaram ofertas de interessados na exploração do cinema, fazendo “tábua rasa” do compromisso de respeitarem um bem cultural da cidade.

Chama-se a isto, em português chão, “virar o bico ao prego”, ignorando as suas responsabilidades.

Oxalá a ministra da Cultura, Dalila Rodrigues, saiba obrigá-los a respeitar o património cultural e a memória de Lisboa — na linha da decisão já tomada pelo seu antecessor —, impedindo o uso do espaço para fins diferentes daquele para que foi originalmente vocacionado: o cinema. E para que não vingue, à socapa, a “última morte” anunciada…