Há notícias e números que arrepiam, por ilustrarem, de uma forma crua e dura, a falência ou, no mínimo, as contradições do Estado Social que o PS e o governo gostam de apregoar, como se fosse uma devoção, quando as realidades os desmentem.

Apesar do assistencialismo clientelar, que o governo promoveu de uma forma ostensiva, como base e sustentação do poder, os sem-abrigo aumentaram 78% em quatro anos (e 25%, só no último ano), estimando-se que vivam hoje na rua quase 11 mil pessoas, quando em 2018 se situavam ligeiramente acima dos seis mil.

Os números são oficiais, mas diz quem sabe e trabalha, directamente, no apoio a tanta gente sem tecto, que este inventário só pecará por ser redutor, pois são por demais visíveis os sinais de que o fenómeno evoluiu significativamente este ano – abrangendo agora tanto jovens como idosos, de ambos os sexos, nacionais e estrangeiros – pondo à prova a capacidade das associações humanitárias no terreno, que reconhecem estar no seu limite.

O perfil dos sem-abrigo também se modificou. Além de serem mais jovens, incorporam ainda pessoas empregadas, mas que não conseguem suportar uma renda de casa, e toxicodependentes, alguns que reincidiram e regressaram à rua depois de se submeterem a tratamentos de desintoxicação. Uma tragédia humana.

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Recorde-se que, por várias vezes, o Presidente da República quis ver de perto o drama dos sem-abrigo, apelando ao governo para que fossem tomadas medidas expeditas no sentido de minorar o sofrimento de pessoas a quem falta quase tudo, e defendendo uma estratégia nacional que desse resposta à integração de quem sobrevive sem morada certa.

O ano está a chegar ao fim e em lugar da prometida integração e da erradicação dos sem-abrigo até 2023, conforme esperava Marcelo Rebelo de Sousa – confiando, talvez, por excesso, no plano elaborado pelo governo e aprovado em 2017 –, estas comunidades aumentaram exponencialmente, com relevo para as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.

A resposta do governo ficou no papel ou muito aquém do desejável, e as promessas de António Costa não passaram disso. E, apesar de a meta fixada apontar para a construção de 26 mil habitações destinadas a famílias carenciadas, para serem entregues por ocasião dos 50 anos do 25 de Abril, o que se fez está muito abaixo do previsto, como o próprio primeiro ministro reconheceu, em outubro, no Parlamento,

Construiu-se pouco e mal, enquanto o chamado pacote legislativo “Mais Habitação”, recém-aprovado, serviu apenas para assustar os proprietários, sem beliscar, contudo, o património edificado do Estado, que poderia ter sido adaptado para atenuar a crise habitacional, sobretudo com recurso a imóveis devolutos.

Mas além dos sem-abrigo, a pobreza tem outros rostos. Com os progressos da medicina e o aumento da esperança média de vida, Portugal tornou-se um país envelhecido, cuja linha demográfica é preocupante.

Quando se impunha uma política de incentivo aos casais, para contrariar a curva descendente da natalidade, as medidas anunciadas pecaram pela timidez. Daí que os indicadores de fecundidade relativos a 2021, divulgados pelo Eurostat em março, apontem para um recuo no país para 1,35 filhos por mulher em idade fértil, abaixo da média europeia (1,53), e um valor distante dos 2,1 filhos necessários para garantir a substituição das gerações.

Conclui-se, ainda, que as mulheres portuguesas continuam a estar entre as que, em média, têm menos filhos na Europa.

Quanto à população sénior, faltam estruturas de acompanhamento – tanto ao nível de apoio domiciliário como de residências assistidas –, florescendo os lares não licenciados, a funcionar em condições tão precárias que não resistiram às vistorias da Segurança Social, sendo encerrados, compulsivamente, quase uma centena de estabelecimentos, alguns de forma urgente.

Em vez de unidades apetrechadas para receber e proteger com dignidade a velhice, progrediram as negociatas, explorando os mais vulneráveis no ocaso das suas vidas.

Com mais de 3,5 milhões de pensionistas e reformados – um terço da população residente –, é manifesta a indiferença do governo em relação à sua sorte, se exceptuarmos as “migalhas” distribuídas como engodo eleitoral.

Ressalvada uma minoria de residências assistidas e medicalizadas, com qualidade – embora praticando preços exorbitantes que não estão ao alcance da maioria das famílias –, é lícito deduzir que este país não é para velhos…

Outra categoria dos sem-abrigo, são os idosos abandonados pelas famílias nos hospitais públicos, que, embora com alta clínica, continuam internados por não disporem de alternativa.

Os truques usados pelos parentes, que um dia os entregaram nas urgências hospitalares, são diversos e elementares, incluindo nomes e moradas falsas, que impedem o hospital de estabelecer qualquer contacto, ultrapassada a crise de saúde que os internou.

A miséria moral e real subjacente a estes abandonos é óbvia, entre o egoísmo mais mesquinho, e a incapacidade financeira para tratar dos idosos em casa e assumir os custos do apoio domiciliário.

Este comportamento tem conhecido um forte desenvolvimento. De acordo com último Barómetro de Internamentos Sociais, há mais de 1700 pessoas que continuam internadas, sem necessidade, à espera de vaga numa unidade pública de acolhimento, o que se traduz num aumento de 60% em relação ao ano passado.

Como a rede pública de residências para idosos é muito limitada, estes continuam hospitalizados por tempo indeterminado, sem terem para onde ir.

São factos sobejamente conhecidos, embora pareça ser matéria estranha ao governo e às esquerdas que o têm apoiado.

As prioridades do PS são outras, designadamente, legislar sobre a eutanásia ou a morte medicamente assistida, não obstante dois vetos presidenciais e dois “chumbos” no Tribunal Constitucional, impondo a promulgação da lei graças à maioria parlamentar. À quinta tentativa foi de vez.

Ou, mais próximo, ao aprovar à pressa, em sede parlamentar, o diploma sobre o chamado direito à autodeterminação de género nas escolas, que, nos termos bizarros e irresponsáveis que o enformam, se propõe assegurar que “que a criança ou jovem, no exercício dos seus direitos e tendo presente a sua vontade expressa, aceda às casas de banho e balneários, assegurando o bem-estar de todos, procedendo-se às adaptações que se considerem necessárias”. Um absurdo que Marcelo precisará de vetar, em nome do bom senso.

Esta agenda radical que o PS adoptou sem pestanejar, serve também para ocupar o espaço mediático, e escamotear o submundo da pobreza em Portugal, que começa nos sem-abrigo na rua (e nas galerias da estação do Oriente), estende-se às casas sobrelotadas de emigrantes, e abrange, depois, lares sem condições, e hospitais públicos, forçados a manter internados idosos sem “eira nem beira”.

Isto deveria envergonhar um governo que capturou o poder há quase uma década, num país membro da União Europeia e da zona euro, e que tem recebido milhares de milhões em fundos irrepetíveis. Mas não.

São manchas de pobreza que há muito deveriam ter sido eliminadas – ou reduzidas –, se houvesse um módico de interesse por parte do governo em transformar a paisagem social do país, cujas assimetrias se têm agravado.

Talvez Luís Montenegro queira por, finalmente, o PS ao espelho – ao contrário da política errática do seu antecessor Rui Rio –, em vez de se dispersar em “jogos florais” a propósito do Chega, que tem funcionado, na prática, como um aliado útil aos estrategas socialistas.

No limiar das comemorações do cinquentenário do 25 de Abril, é imperdoável que a prioridade não seja governar para as pessoas, e não ceder, por norma, aos caprichos de minorias iluminadas e de activismos e de activistas que obedecem a cartilhas extremistas e a modas de ocasião.

O País precisa urgentemente de mudar, a começar pela agilização da administração pública, tão inchada como ineficaz, renunciando pelo voto a quem o mantém cativo.

Certeiro e contundente, Pedro Passos Coelho disse tudo e deixou o PS em transe, ao lamentar que “o actual primeiro-ministro tenha sido o único (…) que se tenha sentido na necessidade de apresentar a demissão por indecente e má figura”. Não faltará quem lhe dê razão.

Se mesmo assim vingarem as esquerdas, e estas não passarem por uma “cura de oposição”, então é porque o país se sente bem como está, na cauda do pelotão europeu, sem outra ambição que não seja garantir o “poucochinho”…