Num ano, em que lecionei na Escola Básica Arquiteto Gonçalo Ribeiro Teles, no Bairro da Boavista, para perceber que as rusgas policiais, nesses bairros, eram quase tão comuns quanto as aulas de matemática. Quando aconteciam, o bairro transformava-se numa ilha: ninguém entrava, ninguém saía sem ser revistado. Brancos, negros, jovens, idosos – todos passavam pelo mesmo procedimento. Curiosamente, nunca vi manifestações de indignação nas redes sociais, nem políticos a rasgarem as vestes em público. Este procedimento é habitual desde sempre e tem mesmo de ser assim!

É por isso que observo, com uma mistura de incredulidade e desalento, o circo mediático que se montou à volta da operação policial na Rua do Benformoso. Os mesmos que se mantiveram em silêncio durante os últimos 10 anos de governação socialista, descobriram agora que tais procedimentos são “humilhantes” e “discriminatórios”. Que conveniente timing político.

A verdade incómoda é que muitos destes políticos e comentadores nunca puseram os pés num bairro problemático. Das suas moradias em Cascais ou apartamentos nas Avenidas Novas, pontificam sobre realidades que desconhecem por completo. Nunca viram uma mãe a desviar o filho do caminho da escola para evitar os dealers. Nunca ouviram os comerciantes locais a implorarem por mais policiamento. Nunca sentiram o medo real dos moradores idosos que se fecham em casa ao anoitecer.

A esquerda caviar portuguesa, que tanto critica o populismo do Chega, revela-se mestra na mesma arte que condena. Fazem do racismo uma bandeira conveniente, agitando-a apenas quando serve os seus interesses políticos. Quando o governo era rosa, as rusgas eram procedimentos normais de segurança pública. Agora que o governo é laranja, são manifestações de racismo institucional. É este tipo de oportunismo político que alimenta o crescimento da extrema-direita que tanto dizem combater.

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Os moradores do Bairro da Boavista, como os da Rua do Benformoso, não precisam de políticos de sacristia a fingirem indignação nas redes sociais. Precisam de segurança real, de policiamento efetivo, de condições dignas de vida. Mas isso dá menos likes no Twitter e rende menos minutos de antena nos telejornais.

Esta hipocrisia seletiva é particularmente nociva porque banaliza acusações sérias de racismo. Quando transformamos questões básicas de segurança pública em armas de arremesso político, não só desacreditamos a luta contra o racismo real como minamos a confiança nas instituições democráticas.

É fascinante ver como os mesmos que aplaudem rusgas policiais em bairros de classe média se rasgam de indignação quando as mesmas técnicas são aplicadas em zonas problemáticas. Como se a segurança pública devesse ter dois pesos e duas medidas, conforme a cor política do governo ou a localização geográfica.

No Bairro da Boavista, aprendi que a segurança não tem cor política nem social. Os moradores – de todas as cores e origens – querem apenas viver em paz, longe tanto do crime como dos oportunistas políticos que só aparecem quando há câmaras a filmar. É hora de alguns políticos e comentadores descerem das suas torres de marfim e confrontarem a realidade no terreno. Até lá, que nos poupem à sua indignação seletiva.