Alianças políticas são, historicamente, difíceis criar e de de manter. Principalmente no Parlamento Europeu, onde diferenças entre partidos, mesmo dentro do mesmo grupo ideológico, podem ser um obstáculo a entendimentos mais alargados, ou até à junção entre famílias políticas. Por exemplo, temos constatado isso no que seria uma possível união entre dois grupos no atual Parlamento: os Conservadores e Reformistas Europeus (ECR) e o Identidade e Democracia (ID). O ECR e o ID têm partidos que partilham iguais ideias radicais e extremistas. No ECR militam o VOX em Espanha, os Irmãos de Itália, o Partido da Lei e da Ordem (Polónia), o Movimento Nacional na Bulgária (quanto aos do ID, o autor tem explicado, em artigos anteriores, quem são esses partidos). Porém, cada vez que se fala dessa possível fusão, as diferenças políticas vêm logo ao de cima, principalmente, para o ECR, no que se trata da questão da Rússia, e por extensão, Ucrânia, da relação atlanticistas, e do pragmatismo no que se trata das ajudas da União Europeia para os respetivos países.

O ID tem sido alvo da atenção neste espaço no Observador, pelas posições extremistas que assume, disfarçadas de euroceticismo. Daí ser importante para o eleitor nacional saber em quem vota, pois, esse voto pode se traduzir num aumentar da força política de uma família política em relação às demais. Como explicado recorrentemente, um dos partidos associados a este grupo é particularmente preocupante, a Alternativa para a Alemanha (Alternative für Deutschland, ou AfD). Como mencionado aqui: “A AfD não esconde a sua ideologia racista, muitas vezes antissemita e islamofóbica, com membros do partido a utilizarem linguagem e ideias nazis, e uma supremacia germânica sobre outros povos europeus.” Se dúvidas faltassem, o número um da lista para as europeias, Maximilian Krah, disse ao jornal italiano La Repubblica que “nunca diria que qualquer um que tenha usado o uniforme das SS [a Schutzstaffel, o grupo paramilitar sob a direção de Hitler e do Partido Nazi] era automaticamente criminoso.” Em justiça ao contexto, de dizer que Krah usava como exemplo Günter Grass, novelista que ganhou o Prémio Nobel de Literatura em 1999. Porém, a menor tolerância para dar algum espaço para dúvida a um líder da AfD é compreensível.

No seguimento de outros escândalos, tal como a prisão de um dos assessores de Krah por espiar para a China, ou uma investigação sobre o cabeça de lista ter alegadamente aceitado pagamentos provenientes da China e Rússia para fazer espionagem no Parlamento Europeu, e juntando agora estas declarações sobre a SS, a (para todos os efeitos) líder do grupo ID, Marine Le Pen, fez saber que não queria que a AfD se mantivesse na coligação. Imediatamente a seguir a liderança do ID expulsou o partido alemão. O que é interessante nesta limpeza ideológica, para além da tentativa de moderar à procura de votos, foi a explicação dada pela líder do partido Rassemblement National à televisão francesa, que “A AfD irá de provocação em provocação” e que é um partido “claramente controlado por grupos radicais”. O quanto é preciso ser radical para ser expulso de uma família de partidos radicais.

A matriz ideológica do ID continuará a ser a mesma, mesmo sem a AfD, e mantem-se igualmente preocupante. Porém, com a não inclusão dos eurodeputados alemães (previsto serem 17 nestas eleições de junho), o grupo terá uma expressão parlamentar de cerca de 68 membros, mais do que os atuais 58, mas com um crescimento menor do que seria se incluísse o partido alemão. Isso coloca-os abaixo do ECR (e possivelmente com uma menor vontade deste grupo de se juntar a tal disfuncional parceiro, apesar de Le Pen ir tentar convencer Meloni do contrário) e abaixo dos Liberais e Democratas.

Falta saber o que será agora da AfD no Parlamento Europeu. Os inimigos do projeto da construção de uma União Europeia continuaram ativos em Bruxelas e Estrasburgo. Os eurodeputados do Fidesz, o partido húngaro de Orbán, continuam não filiados, e o SMER da Eslováquia de Robert Fico, neste momento suspenso do partido dos Socialistas Europeus (parte do grupo dos Socialistas e Democratas, S&D), pode interessar-se em formar, ou juntar-se, a um grupo mais próximo do que se tornaram internamente, um partido extremista.  Será interessante ver que alinhamentos trará o futuro Parlamento Europeu, principalmente das forças de bloqueio dessa instituição, e da importância que tem para a governação da União Europeia.

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