Muito se tem vindo a discorrer nestes últimos dias sobre a falta de atratividade que a carreira policial apresenta em Portugal, reclamando-se medidas urgentes para reverter um estado de progressiva decadência e deterioração da função policial, em especial nas Forças de Segurança, tomando a PSP a dianteira por ocupar no panorama nacional as zonas de maior risco e intensidade operacional, enfrentando consequentemente um maior desgaste físico e psicológico. A acrescentar a isso, os custos elevados de vida que enfrentam, sobretudo nas duas grandes áreas metropolitanas do país, que absorvem quase 50% do contingente policial, e onde esses têm de passar, pelo menos, o primeiro terço das suas vidas profissionais, são fatores que influenciam de forma particularmente negativa a captação de novos Polícias, forçando-os a optar por outras carreiras e modo de vida.
É por isso que o Sindicato Nacional de Oficiais de Polícia, preocupado com este rumo, tem vindo a alertar para a aproximação da instituição para o precipício, reclamando a implementação de medidas urgentes que assegurem um volte face que ponha cobro a este desfecho catastrófico, para a PSP, mas [sobretudo] para a tão aclamada e desejada segurança do país. Se é verdade, e vários estudos o demonstram, que a atração e vinculação às organizações não se faz apenas por via do salário, coexistindo com uma série de outros fatores que agregam as pessoas às mesmas, não podemos ainda assim negar que o salário é o que ocupa, em todos eles, o primeiro lugar, daí a preocupação de constantemente lutarmos pela melhoria das condições salariais, sendo agora, como se sabe, tempo de incidir as negociações sobre a revisão das tabelas salariais, cumprindo-se não só um dos pontos firmados no acordo de julho passado, como prosseguindo uma das linhas programáticas inscritas do diploma das Grandes Opções do Governo para 2025-2028. É pois, por isso, urgente e vital para que se consiga, como o Governo e o MAI pretendem, dar nova vida a uma carreira caduca, para que tenhamos, como outrora tínhamos, uma carreira almejada por muitos dos nossos jovens, estudantes e profissionais.
Mas vamos agora fazer um exercício de análise que talvez nos possibilite perceber, pelo menos em parte, o que nos fez chegar a este ponto crítico. E nada melhor que fazê-lo através de uma abordagem holística que envolva todos os países da União Europeia tendo como base dados oficiais das próprias instâncias europeias, o primeiro dedicado à comparação salarial entre salários de Polícias e Inspetores e outro, desenvolvido por nós, centrado no peso que estes salários representam por comparação com os salários médios e mínimos de cada país.
Começando pela comparação entre os salários pagos aos Polícias (com 35 de idade e 10 anos de serviço) por comparação aos Inspetores, fazendo-se aqui uma equivalência entre os salários nacionais que separam as Forças de Segurança (PSP e GNR) dos salários de serviços de segurança como a PJ.
Figura 1 – Análise comparativa salários acumulados entre Polícias e Inspetores na UE
Desta análise, e aparte as diferenças absolutas de salários que naturalmente existem entre países, o que interessa aqui destacar e reter é a diferença que existe entre salários, e neste domínio é por demais evidente que em Portugal a assimetria de salários entre as duas categorias é gritante, apresentando, com 62.4%, o 3.º país com maior diferença salarial, só suplantada pela Estónia com 65.6% e a Bulgária com 87.9%, e quase o dobro da média da União Europeia que se cifra hoje nos 35.7%. Fica bem patente que existe uma diferença salarial de monta que explica bem o porquê de as Forças de Segurança se confrontarem com problemas de atratividade, ao contrário da PJ que todos os anos tem, e muito bem, milhares de candidatos a querer ingressar nos seus quadros.
Mas vejamos agora o peso dos salários dos Polícias por comparação com os salários mínimos nacionais de cada país.
Figura 2 – Análise comparativa salário dos Polícias com o salário mínimo de cada país
Mais uma vez Portugal apresenta valores que ilustram bem a forma secundária com que sucessivos Governos têm vindo a tratar as Forças de Segurança, vindo a esbater progressivamente as diferenças salariais dos Polícias em comparação com o valor do salário mínimo ao ponto de ocupar o penúltimo lugar do gráfico, com apenas 31.8% de diferença, com menos de metade da média da União Europeia, e bem longe de países como a Alemanha (com 94%), da Bélgica (com quase 105%) e da Eslováquia (com mais de 116%). Fica bem claro a negligência das políticas públicas e das prioridades das governações que têm vindo a atirar os salários das suas Polícias para valores bem abaixo de um limiar de dignidade, e sobretudo da dignidade que a maioria dos nossos irmãos europeus atribui às suas Polícias.
Se o cenário, nesta fase, roça já o dantesco, vejamos agora o peso relativo que o salário dos Polícias representa quando comparado com o salário médio dos países da União Europeia.
Figura 3 – Análise comparativa salário acumulado dos Polícias com o salário médio bruto na UE
Como se esperava, o cenário não poderia ser melhor, ocupando Portugal a parte de baixo da tabela, com mais de 30% de diferença entre o salário de um Polícia com a média salarial no país, ultrapassado pela Grécia com 33.3% e (estranhamente) pela Polónia com 37.4%. É bem verdade que são poucos os países a apresentarem valores médios positivos, todavia, a maior parte consegue figurar bem baixo da média verificada no cômputo global (- 12.4%), o que empurra Portugal [ainda mais] para um cenário ainda mais negro neste capítulo.
Essa diferença não se verifica por exemplo com os salários dos inspetores que fica ligeiramente acima do valor salarial acumulado médio, seguindo o diapasão de quase todos os demais países, com exceção, conforme figura 4, da nossa vizinha Espanha.
Figura 4 – Análise comparativa global
Da análise que fizemos fica bem exemplificada a diferença de tratamento que Portugal tem dedicado à valorização salarial das suas Polícias por comparação com a grande maioria dos países da União Europeia, dando ainda mais força e justificação à necessidade urgente de serem assegurados aumentos expressivos que permitam dar, se não mesmo recuperar, a dignidade que outrora estas tinham no panorama nacional, isto se quisermos verdadeiramente continuar a manter Portugal como um dos países mais pacíficos e seguros da Europa e, desta forma, continuar a perseguir o percurso de afirmação de Portugal como um país atrativo para visitar, para investir e, sobretudo, para viver.
É por isso que esta ronda de negociação será marcante, esperamos nós, para o futuro das Forças de Segurança e dos quase 50.000 polícias e militares que as integram. Esperemos que não se perca mais uma vez a oportunidade, receando que a seguir a esta dificilmente venha outra para fazer o que não se fez, para mudar o que não se mudou, e sobretudo, para restaurar a confiança que os Polícias foram perdendo ao longo de anos para com os governantes deste país, dando-lhes um novo e merecido ânimo para continuarem a dedicar-se, com total apego e compromisso, à causa pública e ao bem-estar de toda a nossa gente.