Este fim-de-semana deslocava-me numa rua em Lisboa quando me deparei com um indivíduo sem sinais vitais, após uma queda de alguns andares. Imediatamente, e com a ajuda de uma médica que também se encontrava no local, iniciámos suporte básico de vida enquanto se contactavam as autoridades. Minutos mais tarde o INEM, os sapadores de Lisboa e a polícia tomaram conta de situação.
A minha ação foi apenas possível por conhecer o algoritmo de suporte básico de vida (SBV). O SBV é um conjunto de procedimentos que tem como objetivo a recuperação da vida de uma vítima de paragem cardiorrespiratória, até à chegada de ajuda especializada.
As probabilidades de a vítima em perigo de vida sobreviver aumentam quando são iniciadas de imediato estas manobras, pelo que é importante garantir que quem presencia as situações, num infantário ou numa estrada, num recinto desportivo ou numa casa particular, tenha a capacidade de as iniciar.
Se já considerava importante a democratização do acesso à formação em suporte básico de vida, esta situação reforçou ainda mais a minha convicção: todos os cidadãos devem estar preparados para o saber fazer. Mas como?
Mais de metade dos países europeus dá-nos as respostas. A maior parte dos países requer, de forma obrigatória, um curso de primeiros socorros e suporte básico de vida no momento de emissão da carta de condução.
E Portugal não é exceção, pelo menos no seu planeamento. Ao longo dos últimos anos, o mesmo tem vindo a acompanhar diferentes programas nacionais e planos estratégicos:
- O Programa Nacional de Desfibrilhação Automática Externa de 2018 referia que determinados grupos da população deveriam ter acesso a formação obrigatória entre os quais os candidatos à carta de condução e de licença marítima turística, os alunos no ensino secundário e os alunos do ensino superior das Ciências da Saúde e do Desporto.
- Também o Plano Estratégico Nacional de Segurança Rodoviária de 2020 apontava para a introdução de cursos de primeiros socorros e de suporte básico de vida no ensino secundário e na obtenção da carta de condução. Em maio de 2022, não há evidência da sua implementação.
Os benefícios do conhecimento em suporte básico de vida estão mais do que evidenciados. As pessoas que tiveram formação em SBV têm uma maior tendência a realizá-lo1 e com melhor qualidade2 do que pessoas sem formação. Talvez por isso, a taxa de sobrevida global de doentes com paragem cardiorrespiratória tenha vindo a aumentar nas últimas décadas e seja superior nos doentes que receberam SBV3 .
Numa altura em que se discute o Orçamento de Estado para 2022 e o Plano Nacional de Saúde 2021-2030, talvez seja importante concretizar o que diversos países europeus já implementaram e que Portugal tem vindo a materializar em diversas recomendações.
Em Portugal, foram emitidas, em 2019, 150 mil primeiras cartas de condução. Um curso de SBV com Desfibrilhação Automática Externa, pela Escola de Socorrismo da Cruz Vermelha Portuguesa tem o custo de 60€. O impacto orçamental desta medida seria inferior a 10 milhões de euros.
Não será, certamente, pelo impacto económico que estas recomendações não têm vindo a ser implementadas. Fica a recomendação de começar por compreender quantos residentes em Portugal já se encontram habilitados em SBV, isto é, quantos é que sabemos salvar vidas?
1 Tanigawa K, Iwami T, Nishiyama C, Nonogi H, Kawamura T. Are trained individuals more likely to perform bystander CPR? An observational study. Resuscitation. 2011 May;82(5):523-8. doi: 10.1016/j.resuscitation.2011.01.027. Epub 2011 Feb 26. PMID: 21354688.
2 Bakke HK, Steinvik T, Eidissen SI, Gilbert M, Wisborg T. Bystander first aid in trauma – prevalence and quality: a prospective observational study. Acta Anaesthesiol Scand. 2015 Oct;59(9):1187-93. doi: 10.1111/aas.12561. Epub 2015 Jun 19. PMID: 26088860; PMCID: PMC4744764.
3 Yan S, Gan Y, Jiang N, Wang R, Chen Y, Luo Z, Zong Q, Chen S, Lv C. The global survival rate among adult out-of-hospital cardiac arrest patients who received cardiopulmonary resuscitation: a systematic review and meta-analysis. Crit Care. 2020 Feb 22;24(1):61. doi: 10.1186/s13054-020-2773-2. PMID: 32087741; PMCID: PMC7036236.