Porque é que os “Luanda Leaks” estão a ter a repercussão nacional e internacional que têm? Porque Isabel é filha do ex-Presidente Angolano o ex-todo poderoso José Eduardo dos Santos? Porque Isabel, não ela própria, mas alguma sociedade que ela controla, detém um património imobiliário milionário (casas luxuosas em Lisboa, Mónaco, Dubai, e outras que se descobrirão) o que é motivo de inveja? Porque é (uma milionária) negra, como a própria advoga, tentando usar o argumento do racismo?
Tudo isto pode ter alguma parcela de verdade, mas descura o essencial. O que é verdadeiramente chocante, e o que justifica esta repercussão é que a família dos Santos, é um símbolo de uma parte da elite angolana que enriqueceu, tudo indica, desviando as riquezas do país para benefício próprio, quando grande parte da população angolana vive em condições de pobreza e de miséria. É isto que mais revolta, a riqueza de uns poucos a par da miséria de muitos. Não serão os únicos, mas serão dos que mais se aproveitaram, e deverão por isso ser investigados e, se for caso disso condenados, para dar um sinal claro que com João Lourenço as coisas começam a mudar em Angola. Do mesmo modo, os portugueses que na advocacia ou na consultadoria se prove que colaboraram de forma intencional ou meramente negligente na implementação de desvio de recursos públicos e branqueamento de capitais deverão ser levados a julgamento.
Mais uma vez, o escândalo não surgiu da investigação de entidades de regulação e supervisão, não surgiu de auditorias a empresas, não surgiu do setor de compliance de bancos por onde passaram os fundos, muito menos de grandes sociedades de advogados que, sem preocupações de ética, nem sem querer saber para que são constituídas sociedades em offshores, apenas criam essas sociedades.
O escândalo surgiu de uma fuga de informação a um consórcio de jornalistas de investigação. Dito de outro modo: todas as regras e instituições que criámos, e que pagamos com os nossos impostos, para fazer o trabalho de evitar o branqueamento de capitais, mais uma vez falharam. É completamente caricato, frustrante e demonstrador do fracasso dos sistemas de compliance em certos bancos (não generalizemos) que já depois de uma nova e melhor lei para combater o branqueamento de capitais (Lei 83/2017) o banco Eurobic diga que esta semana (!) alertou o DCIAP e a Unidade de Informação Financeira (UIF) da Polícia Judiciária de suspeitas relativamente a uma transferência da Sonangol de 57,4 milhões de dólares.
Aparentemente, segundo o Jornal Económico, o Eurobic apurou em 2017 que todos os procedimentos e formalismos legais foram cumpridos. Até pode ser que sim, dada a boa assessoria jurídica de Isabel dos Santos. Mas será que é normal haver transferências de 57,4 milhões de dólares num dia? Não deveria a compliance do banco saber, ou informar-se que Isabel dos Santos estava na iminência de ser demitida da Presidência da Sonangol? Será que qualquer fatura de serviços genéricos de consultadoria é justificativo suficiente para um pagamento de milhões de dólares? Se aquilo que o departamento de compliance do Eurobic faz é olhar acriticamente para uns quantos papéis e movimento bancários, não sei para que serve.
Também devemos ser esclarecidos sobre o papel do Banco de Portugal enquanto entidade de regulação e supervisão. Aquilo que soubemos há dias foi que num processo anterior semelhante de 2015 – de falhas na prevenção do branqueamento de capitais — o Banco de Portugal iniciou um processo de investigação ao EuroBic, mas passados cinco anos não está concluido!. Que dessa investigação terão saído um conjunto de recomendações do BdP ao Eurobic de medidas a tomar na área do branqueamento de capitais, e que dado que algumas não foram acatadas terão sido enviada informação para o Ministério Público e Polícia Judiciária (UIF). Presumo que PJ e MP não terão os recursos informáticos e humanos suficientes para lidar com as suspeitas de corrupção, peculato, evasão fiscal e outros potenciais crimes, como pelos vistos não tem o gabinete de compliance do Eurobic.
Mais extraordinário ainda é que Isabel dos Santos não era considerada uma “pessoa politicamente exposta” (PEP) pelo Eurobic, ou seja uma pessoa a quem medidas especiais de vigilância e diligência devem ser aplicadas. Não admira, pois Isabel controlava indiretamente o banco com 42,5% do capital. O alegado esquema internacional de extração de rendas do país, que Isabel dos Santos construiu necessitou de falhas pessoais, éticas ou processuais e legais, de quem ocupou certos lugares chave (na administração da Sonangol, no BIC (Angola), no EuroBic (Portugal), na consultora PwC, na Urya Menéndez, etc.). Todas estas pessoas se afastaram ou agora, ou há pouco tempo e um deles ter-se-á suicidado. É necessário apurar responsabilidades pessoais, cíveis e criminais, mas é tão ou mais necessário identificar as fraquezas sistémicas institucionais no combate à corrupção e ao desvio de fundos públicos.
Não estamos, Portugal e muito menos Angola, institucionalmente preparados para um combate eficaz à corrupção. Como portugueses podemos ajudar, com a cooperação entre as Procuradorias Gerais da República de Angola e Portugal, e entre as autoridades tributárias. Mas não olhemos apenas para Angola. Olhemos também para as nossas fraquezas e as razões institucionais que explicam a nossa ineficácia no combate à corrupção.