Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o Mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.

(Luís de Camões)

Toda a vida é feita de mudança. Até o tempo muda! Então da idade nem falar. A ponto de se poder dizer, sem grande risco de errar, que a mudança é a única coisa estável na vida.

Umas vezes muda-se para adaptar a vida a outras mudanças, mormente as decorrentes das novas tecnologias. Outras vezes muda-se para simplesmente melhorar o que já existe, de modo a refrescar-lhe a eficiência e lhe garantir alguma continuidade mais, pois que mudar não significa necessariamente terminar ou substituir, podendo apenas significar criar condições de eficiência que permita sustentar uma desejada manutenção.

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Será o caso do nosso Serviço Nacional de Saúde (SNS), para o qual parece ser notório estar cheio de problemas organizativos que lhe toldam uma necessária eficiência, ao mesmo tempo que parece existir consenso de ser coisa socialmente boa e a preservar, premissas estas que imporiam a necessidade de uma verdadeira mudança.

Mas, do que por aí vai sendo noticiado, parece que a coisa já não irá com alguns remendos pontuais, mas sim com uma verdadeira revisão da sua estrutura organizativa e fins da própria instituição SNS. A estas mudanças, que actuam principalmente em estruturas organizativas e institucionais, chamamos usualmente reformas estruturais.

Ainda do que por aí vai sendo notícia, comentário e opinião, parece também haver consenso da necessidade de o país encetar diversas outras reformas estruturais, umas para prevenir o futuro, outras para garantir um melhor presente. Até Marcelo o disse agora no 5 de Outubro.

Mas, que se passa connosco? Na hora da verdade votamos maioritariamente no partido mais avesso a reformas estruturais. Assim, uma coisa parece ser a opinião publicada, outra a opinião votada. Ou será apenas a velha resistência à mudança, sempre a esta inerente?

Dizem, no que pessoalmente acredito, que muitas das reformas ditas necessárias, mormente a fiscal, nos permitiriam aliviar a pobreza estrutural, e crescente, em que vivemos. Mas mesmo assim parece que o pessoal prefere alguma da segurança que sente na pobreza institucional do que entrar por caminhos cujo destino ainda não consta do seu GPS.

A última vez que por cá se conseguiu ter um plano de reformas estruturais necessárias ao país foi no decurso da ajuda internacional resultante da crise da bancarrota socratina e, mesmo assim, só com o apoio da então chamada troika foi possível elaborar.

Tal plano, a implementar em três anos, previa medidas na regulação e supervisão do sector financeiro (que ainda beneficiava de uma almofada de capital), na estrutura fiscal, no mercado de trabalho e educação, no mercado de bens e serviços, no mercado habitacional, na justiça e na concorrência.

Para além destas importantes medidas estruturais, o plano incluía ainda alguns conjunturais deve/haver para correcção em simultâneo do crónico défice público, o que deveria ser feito em apenas 1/3 por via da receita fiscal, sendo os restantes 2/3 por cortes na despesa, na sua maioria decorrentes das acordadas reformas estruturais, mas entretanto suportadas com cortes temporários em certas facturas públicas.

Como o grosso destes cortes incidiam nas facturas mais pesadas (salários e pensões) e eram visíveis no recibo do final do mês, coisa que nas duas anteriores bancarrotas não sucedia com as políticas monetárias, o pessoal começou a berrar, ao que o partido que solicitara a ajuda e subscrevera o plano, mas entretanto na oposição, aproveitou para dar forte eco. Encontrando firmeza na governação, mas fraqueza na presidência, que subscrevia as medidas ao mesmo tempo que dizia ter dúvidas constitucionais, optou por clamar pela intervenção do Tribunal Constitucional que logo decidiu: nos nossos bolsos não se mexe, siga, pois, a receita do costume (+ impostos, – pensões).

Mas, surpreendentemente, o mais estranho de tudo veio de políticos, bem como de muitos comentadores e opinadores, inclusive dos que antes clamavam por reformas estruturais, e que agora, face à implementação do acordado plano de reformas, se manifestavam contra a governação que desta ficara incumbida, incluindo alguns dos seus próprios partidos. Quem, três anos antes, poderia imaginar Marques Mendes e João Semedo, Soares e Jerónimo de Sousa, Bagão Félix e António Seguro, Ferreira Leite e Sócrates, Marcelo e Louçã, António Costa e Pacheco Pereira, todos, em uníssono, a vociferar contra uma mesma governação?

Tudo nos era por eles mostrado como se tais reformas estruturais não tivessem resultado do acordado entre PS e Troika (BCE/CE/FMI), antes fossem meras liberalidades maldosas da governação entretanto incumbida da sua implementação e que mal a troika se fosse tudo poderíamos reverter (o que muito assim foi sendo feito). Paulo Portas chegou mesmo a anunciar a saída da troika como o novo 1º de Dezembro.

Claro que o resultado foi desastroso para o país, pois que as anunciadas reformas estruturais ficaram, na sua maioria, pelo Excel que as inventariava e programava. Excepção talvez para as reformas relativas aos mercados laboral e habitacional, mas entretanto, já muito revertidas (a actual crise do mercado de habitação é em grande parte um sintoma de tais reversões).

Que se passa connosco? Estaremos condenados a viver neste círculo vicioso de clamar por reformas e, caso elas venham, clamar contra elas? Será preferível não reformar para voltar a ter algo para clamar nas próximas eleições, esquecendo-as depois? Uma que é de assinatura em todas as eleições legislativas é a chamada reforma do sistema de justiça. Que é lenta, dizem então. Que confiam nela, dizem depois.

Creio que muito competirá aos partidos políticos quebrar este círculo vicioso.

Assim todos eles o queiram realmente!