Estava esta semana a fazer pesquisas para um trabalho, quando passei pelo Pordata, a base de dados online da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), que apresenta dados nacionais atualizados em tempo quase real. Na página principal, chamou-me à atenção as letras grandes que diziam: HOJE (e deviam ser ainda umas 16 horas) NASCIMENTOS 82, ÓBITOS 149.  A grande discrepância dos números conduziu-me a um mal-estar que me acompanhou o resto da tarde.

A verdade é que, sendo eu médica a trabalhar na área de Obstetrícia, tenho a sorte de assistir diariamente a muitos mais nascimentos do que mortes, o que me faz facilmente esquecer a realidade de que, desde os anos 60, a população portuguesa tem vindo a decrescer. Para que exista um equilíbrio geracional é necessário um limiar mínimo de 2,1 filhos por mulher em idade fértil. Portugal tem 1,3. Segundo dados do Eurostat de 2018, Portugal é o terceiro país da Europa com a mais baixa taxa de natalidade (só ultrapassado pela Espanha e Itália), muito abaixo da média europeia de 1,6 filhos por mulher em idade fértil. No topo estão a Suécia e a França. Mas não se pense que é por acaso, estes são os países que mais têm trabalhado em políticas de incentivo à natalidade.

É de ti, Portugal?

Não, a tendência da diminuição das taxas de natalidade é transversal a todos os países desenvolvidos. Mesmo a nível mundial, após um rápido e assustador crescimento (entre 1900 e 2000 a população mundial quadruplicou) as previsões mostram uma diminuição desta tendência. À primeira vista, a diminuição da população pode ser olhada como algo positivo num mundo com escassez de recursos.

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No entanto a renovação da população ativa é fundamental para a criação de rendimento e sustentabilidade de um país. Por exemplo, quem será a população ativa que contribuirá para as nossas reformas do futuro? O que irá acontecer ao nosso Serviço Nacional de Saúde quando a maioria de nós estiver envelhecido? Este é um assunto que me preocupa enquanto mulher (e não, ainda não tenho filhos), como médica, mas acima de tudo como portuguesa.

Com tudo isto, dá para acreditar que és um dos melhores países do mundo para ter filhos, Portugal?

Segundo o relatório de 2017 da organização internacional Save the Children, Portugal é o 6.º melhor país do mundo para se ser criança (subiu cinco posições relativamente ao relatório de 2017). O primeiro lugar da tabela é ocupado ex-aequo pela Noruega e a Eslovénia. Este relatório tem em consideração a mortalidade infantil, a subnutrição, o absentismo escolar, o trabalho infantil, a casamento precoce, a gravidez na adolescência e taxas de homicídio infantil. Mas não é só: segundo o site Best Countries, Portugal é o 20.º melhor país do mundo para se ter filhos, e segundo o relatório de 2017 “Igualdade para crianças” da Unicef, Portugal é o 16.º melhor país do mundo para constituir família.

Ao mesmo tempo que estes resultados nos devem encher de orgulho, também dão que pensar. O que nos está a faltar então? Serão os portugueses que não querem ter filhos? Parece que não, pelo menos de acordo com o “Inquérito à Fertilidade” realizado em 2013 pelo INE e a FFMS, que mostra que apenas 8% das mulheres não querem ter filhos. O que, dito de outra forma, significa que 92% das mulheres quer ter filhos ou, se já tem, quer ter mais filhos.

O que precisamos então para te ver crescer, Portugal?

São vários os fatores que podem estar envolvidos na decisão de ter menos filhos, ou de os ter mais tarde, tais como a desigualdade de género, os salários baixos, a incompatibilidade e pouca flexibilidade dos horários laborais, a dificuldade em conciliar a vida pessoal e profissional e a falta de redes de apoio. Neste sentido, têm sido adotadas em outros países da Europa várias políticas de incentivo à natalidade, como por exemplo:

  1. Responsabilização das empresas privadas e setor público para o seu papel na contribuição para uma sociedade sustentável, através da criação de condições de apoio à natalidade (creches nas empresas, horários flexíveis, carreiras em part-time).
  2. Educação nas escolas sobre a saúde reprodutiva e incentivo às técnicas de procriação medicamente assistida para aqueles que necessitam.
  3. Melhoria dos apoios à habitação.
  4. Acesso gratuito a infantários, jardins infantis e escolas.
  5. Aumento do tempo de licença de parentalidade com pagamentos a 100%.
  6. Abono de família até aos 18 anos e complemento de educação.
  7. Incentivos a famílias numerosas.

Mas será que estas medidas são suficientes? A mim parece-me que também precisamos de uma mudança cultural e social profunda. Por exemplo, ainda há muitos estereótipos a combater no que diz respeito à igualdade do género na organização familiar. E será que estamos mesmo comprometidos em ter filhos, ou mais filhos, ou ainda damos maior valor aos nossos achievements profissionais e materiais? Por exemplo, em países como a Dinamarca, a sociedade está organizada em torno da família, e dá maior importância o número de filhos do que à marca de carro que têm.

Claro que este tem sido, e felizmente cada vez mais, um assunto discutido. Há ideias, grupos de trabalho, e vontade de mudar. Mas os estudos mostram que Portugal precisa de 100 anos apenas para corrigir o estado atual, e por isso precisamos de medidas que sejam postas em prática já.

É esta a mensagem que é fundamental passar. Nós, todos os 10.269.114 portugueses, temos a responsabilidade e a obrigação de lutar por melhores condições que nos permitam criar a sustentabilidade do nosso país. Quanto tempo vamos precisar para tornar este tema uma prioridade? Que será de ti, Portugal, e que será de nós?

Catarina Reis de Carvalho tem 28 anos e é médica. É ainda assistente convidada na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Juntou-se aos Global Shapers Lisbon em 2017.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade, como aconteceu com este artigo. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers.