No dia 1 de Setembro deste ano da graça, comentei o artigo do Observador Festival Queer Lisboa anuncia programa completo com estas palavras: «Destruição da sociedade. Queer  é a destruição de tudo o que é natural e normal.». Passados poucos minutos, o Facebook notificou-me: «Não podes publicar ou comentar durante 24 horas Este comentário desrespeita as nossas normas sobre discurso de incentivo ao ódio e inferioridade, pelo que só tu o podes ver. Conta restrita As tuas publicações vão ser movidas para uma posição mais abaixo no Feed durante 22 dias».

Reclamei, mas não adiantou de nada. Ou seja, entre outras coisas, queer é uma teoria que não pode ser criticada nem denunciada. É mais uma letra do abecedário colorido, parte daquela bandeira que se impõe a tudo e a todos e ameaça silenciar qualquer voz que se atreva a divergir. É caso para dizer que nem no tempo do Salazar a polícia do pensamento esteve tão activa e castigadora. Só não nos prendem, a-in-da.

Mas, pergunta o leitor: afinal, o que é isso de Queer?

Certamente, já ouviu falar sobre a ideologia de género. Judith Butler, a filósofa queer, autora da bíblia do género, advoga que o ser humano nasce neutro e que é a família, a escola e a sociedade que lhe atrelam um papel binário, homem e mulher, imposto pelo patriarcado machista opressor. Para ela, o comportamento de cada sexo, e o próprio sexo, não passam de produções e criações deliberadas dos homens para que pareçam naturais e inevitáveis, mas que, ainda de acordo com a feminista radical, não são naturais nem inevitáveis. Butler evoca Monique Wittig, outra feminista radical, e a sua proposta de desintegração dos corpos culturalmente construídos, sugerindo que a própria morfologia é consequência do tal sistema patriarcal hegemónico e que é preciso desintegrar as identidades que estão aprisionadas nos comportamentos de machos e fêmeas, pois são pouco naturais:

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Como estratégia para descaracterizar e dar novo significado às categorias corporais, descrevo e proponho uma série de práticas parodísticas baseadas numa teoria performativa de actos de género que rompem as categorias de corpo, sexo, género e sexualidade, ocasionando sua ressignificação subversiva e sua proliferação além da estrutura binária (Judith Butler, Problemas de Gênero. Civilização Brasileira, 2015, pp. 12-13).

A proposta de Butler é a de que a identidade sexual (sexo) seja negada e se passem a adoptar comportamentos (género) que não se definam como femininos nem masculinos e que todos se tornem uma réplica da própria Judith, alguém para quem olhamos sem conseguir ver de imediato uma mulher nem um homem. É uma lógica totalmente invertida, que exige militância e um esforço consciente para afirmar como “natural” algo que é a subversão da natureza e como “opressão social” aquilo que é, de facto, natural e gera vida.

Esse mesmo pensamento é central para a teoria queer, que, em inglês, significa bizarro, estranho, torto. Na gíria, esse adjectivo é utilizado como um insulto, que, em português, por exemplo, seria paneleiro, larilas, traveca. E, para não me acusarem de inventar algo que não corresponde à verdade, nada melhor do que citar Beatriz Preciado, filósofa queer, que concorda comigo e acrescenta mais alguns significados à palavra queer: «invertidos, bicha e lésbica, travesti, fetichista, sadomasoquista e zoófilos».

Mas, para provar que vivemos numa ditadura do pensamento e que o meu comentário não devia ter sido censurado, pois é apenas o resumo da constactação de factos por parte de quem estuda a agenda lgbtetc e derivados há cerca de 8 anos, vou mencionar e citar a filósofa queer Leonor Silvestri, que integra os “colectivos” “Ludditas Sexxxuales” e “Manada de Lobxs”, autores do livro Foucault para Encapuchadas (2014), que começa com uma pergunta-chave reveladora das intenções da ideologia que representam: «Agora que entendemos que não há sujeitos da revolução, quem combate o hétero-capitalismo?»

A resposta, para destruir toda e qualquer identidade como tal, consiste em «apagar as categorias de ‘masculino’ e ‘feminino’ de acordo com as categorias de atribuição biopolítica ‘homem/mulher’. Os códigos de masculinidade são susceptíveis de abrir-se para que operemos sobre eles uma espécie de gender hacking perfo-prostésico-lexical usando jogos linguísticos que escapem das marcas de género, ou pelo menos as decomponham: proliferar até ao absurdo anormalidades psicossexuais» (Manada de Lobxs. Ob. Cit., p. 24). A fim de «… invalidar o sistema hétero-normativo da produção humana e as formas de parentesco – sempre à priori hétero-normais – por meio de desistir de práticas como o casamento e todos os seus substitutos.» (Ob. Cit., p. 25)

O objectivo da ideologia queer é subverter o que designa como “relações sexuais hétero-normativas”, que inclui não só a relação heterossexual como tal, mas também o papel que têm em si mesmos os órgãos sexuais natural e biologicamente determinados para a prática das relações sexuais (pénis e vagina). Assim, as teorias queer explicam que «a renúncia de manter relações sexuais naturalizantes hétero-normais permite a ressignificação e desconstrução da centralidade do pénis e critica as categorias ‘órgãos sexuais’ (qualquer parte do corpo ou objecto se pode tornar brinquedo sexual)» (Ob. Cit., p. 25). De facto: «A abolição da prática da sexualidade em casal, mediante a prática de prazer em grupo com afinidades sexo-afetivas ressignifica o corpo como uma barricada de insubordinação política, de desobediência sexual, de desterritorialização da sexualidade hétero-normativa, seus regimes disciplinares naturalizados e suas formas de subjectivização para a posterior criação de espaços de afinidade anti-género e anti-humanos: destruir até às fundações a heterossexualidade como regime político. Esse é o nosso destino.»  (Ob. Cit., p. 25)

Confuso? Eu traduzo:

O que se quer dizer com tanto palavreado na novilíngua queer é que renunciar às relações heterossexuais evitaria a “naturalização” deste tipo de relação, ou seja, evitaria que a relação sexual entre um homem e uma mulher parecesse algo natural, próprio da ordem natural das coisas e absolutamente necessária para a preservação da espécie. Mas a teoria vai mais longe e propõe que, não apenas as relações heterossexuais sejam subvertidas, mas que também o próprio uso dos órgãos sexuais no contexto do sexo seja desnaturalizado como tal.

Não o impressiona o ódio com que o texto é escrito?

E não me refiro apenas ao ódio aos heterossexuais e à família, mas ao homem e à humanidade em geral. Há excertos que exalam violência em doses altíssimas. Por favor, leia: «Sem nome, sem prestígios, sem passaportes, sem famílias, experimentamos o sabor do molotov, da nafta, a fumaça da borracha queimada cortando a ponte e abrindo o caminho como quem experimenta um maracujá, uma manga, ou o fisting [prática sexual de introduzir o punho no ânus]» (Ob. Cit., p. 27); «O mundo pertence aos héteros que se gabam de suas liberdades em nossos rostos. Porque eles têm que vir para nossos aniversários, nossas festas, nossos rituais, nossas marchas, nossas cerimónias? Nós não queremos tolerá-los, nem desejamos sua asquerosa dádiva gay-friendly chamada ‘apoio’, ‘integração’, ‘respeito’, ‘diversidade’… Não queremos suas leis anti-discriminação. Nós não queremos. O mundo pertence aos héteros e estamos em guerra contra o seu regime. […] Isto é apologia à violência, vamos lutar, vamos lutar contra o inimigo com nossa violência […] O mundo pertence aos héteros e não o cederão voluntariamente. Teremos que tomá-lo à força. Havemos de forçar o cu para que o abram.» (Ob. Cit., p. 67); «Um exército de punhos não pode ser derrotado, meta no cu tudo o que couber. E mais, jogaremos em seus rostos de heterossexuais consternados: merda e peidos, chuvas douradas e squirt [urina feminina]. Um riso negro que soa diabólico e alegre brota de nossa entranhas promíscuas. […] Não nos identificamos com vocês, heterossexuais, não gostamos, desprezamos, vocês são o desprezível desperdício do capitalismo que impulsionam.» (Ob. Cit., p. 68); «Com grande alegria nós dizemos: não vamos ter filhxs, adoramos a solidão, celebramos, apoiamos e insistimos na destruição de toda a relação, da monogamia, dos laços sentimentais, dos hétero-compromissos, das paixões, do amor romântico ou dos relacionamentos escondidos sob a merda do amor livre. Todos estabelecem territórios e hierarquias de opressão.». (Ob. Cit., p. 72)

Peço perdão pela linguagem, mas se eu tive que ler isto, para desconstruir uma narrativa política hedionda, o leitor também tem que ler para não ser enganado.

E não, não é só a filósofa queer, Leonor Silvestri e os autores de Manada de lobbxs que incitam a violência contra os heterossexuais e contra todos aqueles que não pensam como eles. A filósofa queer Beatriz Preciado também partilha deste tipo de ideia – sobre como destruir a sexualidade – e convoca à prática da “contra-sexualidade”. Segundo ela: «A contra-sexualidade afirma que o desejo, a excitação e o orgasmo não são mais que produtos retrospetivos de uma certa tecnologia sexual que identifica os órgãos reprodutores como órgãos sexuais, em detrimento de uma sexualização de todo o corpo. […] O sexo é uma tecnologia de dominação hétero-social que reduz o corpo às zonas erógenas de acordo com uma distribuição assimétrica de poder entre os sexos (feminino/masculino), fazendo coincidir certos afetos com determinados órgãos, certas sensações com certas reações anatómicas.» (Preciado, Beatriz. Manifesto contra-sexual. Prácticas subversivas de identidade sexual. Madrid, Opera Prima, 2002, p. 19)

Então, Preciado oferece-nos um exemplo prático de como resistir ao sistema hétero-capitalista: «a prática de fisting[prática sexual de introduzir o punho no ânus], que teve um desenvolvimento sistemático no seio da comunidade gay e lésbica dos anos 70, deve ser considerada como um exemplo de alta tecnologia contra-sexual. Os trabalhadores do ânus são os proletários de uma possível revolução contra-sexual». (Manifesto contra-sexual, Cit., p. 26)

Tão marxista, não é?

Soa-lhe como uma piada? E se eu lhe disser que a ativista queer fornece um manual de práticas “dildo-tectónicas”, a implementar com a ajuda de um “dildo” (vibrador) e que contribuiriam para sexualizar outras partes do corpo na luta contra a “hegemonia do pénis e da vagina”, estabelecida pelo “hétero-capitalismo”? Se está interessado em confirmar, leia as páginas 46-47 do Manifesto contra-sexual.

Muito mais haveria a dizer sobre a teoria queer, mas o texto já vai longo e creio que ficou demonstrado que o meu comentário, ao artigo do Observador, até foi muito simpático, pois apresentava apenas uma perspectiva crítica daquela realidade que era apresentada, e não havia nada que justificasse a censura. Penso que a conclusão inevitável, depois de ler este artigo, é a de que a teoria queer gera nos seus fiéis um coquetel explosivo de ódio, violência e frustração individual, pois a luta interminável contra a natureza, que o movimento queer promove, está perdida desde antes de se ter iniciado.

Não se deixe enganar. O movimento queer é político e é de esquerda, mais propriamente da nova esquerda. A dívida da ideologia queer para com a esquerda fica clara nestas palavras: «Os movimentos da Nova Esquerda com suas declarações empurram-nos para o facto de que a luta está em muitas frentes mais do que na simples luta de classes». (Anónimo. Espacios peligrosos. Resistencia violenta, utodefensa y lucha insurreccionalista en contra del género. Distribuidora Coños como Llamas, 2013, p. 5)

A questão de fundo não tem que ver com as escolhas voluntárias de cada um, mas sim com a intenção clara de transformar, até mesmo por meio da violência, o sistema moral, económico e político que permite que todos tenhamos, por exemplo, direito a expressar a nossa opinião livremente. Não me importa os delírios de outras pessoas, desde que não afectem os meus direitos individuais e não me imponham a lei da mordaça.