Na semana em que dois canais televisivos estrearam em horário nobre programas casamenteiros de entretenimento, foi conhecida mais uma sondagem que atribui ao Partido Socialista a vitória nas legislativas. Uma vitória folgada embora sem maioria absoluta. Uma situação que implicará uma revisitação da geringonça, provavelmente a dois.
À primeira vista não existe qualquer ligação entre os dois factos. Na verdade, o que poderão ter em comum modelos televisivos importados de outras paragens e um estudo de opinião de cariz político? Nada para a maioria dos cidadãos. Muito, na perspetiva de quem anda há anos a tentar construir um novo índice que permita medir o relacionamento dos cidadãos com as instituições. Passo a explicar, começando pela aposta televisiva.
Assim, quando os dois canais de televisão optaram pela apresentação dos programas não desconheciam as reações negativas que tinham merecido noutros países. Uma crítica que não se tinha quedado pelas organizações que fazem de um certo tipo de feminismo excludente a razão da sua existência. Só que também sabiam que, malgrado essa avaliação, os níveis de audiência tinham sido inicialmente elevados.
Dito de outra forma: os cidadãos que se dizem defensores da igualdade de género são os mesmos que passam horas coladas ao ecrã a apreciar programas que tratam a mulher como um ser inferior. Uma audiência em que se incluem, obviamente, muitas mulheres. Uma situação de voyeurismo social que não reproduz a realidade, mas que aposta na sua caricatura.
No caso em apreço, mesmo havendo mulheres que aceitam entrar no jogo na esperança de virem a obter dividendos futuros mais do que de encontrar marido, incomoda ver o estereótipo feminino apresentado num dos programas porque está longe de traduzir a realidade da mulher portuguesa. Uma mulher perfeitamente integrada no mundo laboral e na vida social e que, logicamente, não se revê na imagem da carochinha à espera de marido.
Passando para o segundo elemento, importa chamar à colação o Índice de Distância ao Poder criado por Geert Hofstede. Um índice que mede o grau de aceitação emocional da desigualdade, ou seja, até que ponto aqueles que têm menos poder aceitam e esperam que o poder seja distribuído de modo desigual. Uma forma de dizer que pactuam com a situação de inferioridade em que se encontram e se revelam disponíveis para aceitar como normais as práticas, ainda que mescladas de abusos, dos detentores do poder.
Como era expectável, essa aceitação emocional da desigualdade não é igual em todos os países. Por exemplo na Áustria só 11% pactuam com ela enquanto na Eslováquia a totalidade – é mesmo 100%! – concorda com a existência dessa desigualdade.
Quanto a Portugal, está na metade cimeira dos países que consideram normal que o poder seja distribuído de forma desigual, uma vez que essa é a posição defendida por 63%. Um dado preocupante porque constitui um indício de uma subserviência castradora de todo o espírito crítico. Algo que acaba por ter reflexos nos resultados eleitorais, uma vez que proporciona uma vantagem competitiva aos detentores do poder. Uma forma de dizer que não é apenas o desempenho governamental que se revela decisivo no ato de votar.
Face ao exposto, talvez não seja descabido refletir sobre a estratégia a seguir para combater a aceitação emocional da desigualdade e não apenas a nível político. Altamente duvidoso é que os programas casamenteiros propostos pelos dois canais televisivos constituam uma mais-valia nesse âmbito. Afinal, o entretenimento pode embrutecer.