Em 15 de março de 2020 ocorreu o último debate entre os candidatos das primárias do Partido Democrático norte-americano, quando ainda se discutia qual seria o candidato que iria defrontar Trump, se Joe Biden, o “moderado”, se Bernie Sanders, o “progressista”. A um certo ponto, o candidato Biden deu uma das suas tiradas politicamente corretas, que foi a de afirmar que, se fosse nomeado pelos democratas, iria escolher uma mulher para vice-presidente. A moderadora do debate, Dana Bash, aproveitou a deixa: “Senhor Vice-Presidente [Biden tinha sido vice-presidente de Obama, e pelos vistos o título mantinha-se], se eu o consigo seguir, e só para clarificar, acabou de se comprometer, nesta noite, que, se conseguir a nomeação, vai escolher uma mulher para vice-presidente?”, o que Biden confirmou.

Bash virou-se então para Sanders e colocou-o entre a espada e a parede: “Senador, apenas para clarificar, o Vice-Presidente comprometeu-se agora mesmo a escolher uma mulher para vice-presidente. Se o senhor for nomeado, fará o mesmo?” Sanders sentiu-se encurralado. Podia ter respondido que escolheria quem julgasse mais competente para o cargo, fosse homem ou mulher. Mas não. Compungido, ripostou; “Certamente, sim [escolherei uma mulher]”.

Num ápice, os dois candidatos democratas retiram mais de metade da humanidade da equação. Não digo metade, mas mais de metade, bem mais de metade, já que o número de homens disponíveis para se dedicar à política é muito superior ao de mulheres. É uma constatação de facto. Posto de um ponto de vista de gestão, dir-se-ia que o mercado de políticos é constituído muito mais por homens do que por mulheres. Poderá não ser assim no futuro, mas é assim por enquanto.

Avancemos quatro anos, ao tempo presente, em que a recém-eleita presidente da Comissão Europeia para o próximo quinquénio, Ursula von der Leyen, se afadiga a escolher os seus comissários, um de cada país. São os Estados-membros que propõem nomes para comissários. Formalmente, estes são escolhidos pelo Conselho (exceto um deles, o Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, que é escolhido pelo Conselho Europeu), mas, uma vez que a seleção dos nomes tem de ser feita de comum acordo com o Presidente eleito, compete a von der Leyen a parte de leão na seleção dos candidatos. No final, a Comissão, como um todo, será sujeita a um voto de aprovação do Parlamento Europeu. Com base nessa aprovação, a Comissão será nomeada pelo Conselho Europeu, deliberando por maioria qualificada.

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Deixemos agora a parte formal e centremo-nos no que interessa para esta crónica. Cada país é obrigado a indicar pelo menos um nome, mas Ursula von der Leyen, à semelhança do que fez há cinco anos, pediu a cada Estado que lhe indicasse dois nomes, um homem e uma mulher, para garantir equilíbrio entre géneros. Alguns países, felizmente (já explico porquê), ignoraram já esse pedido. Até agora, foram indicados nomes por treze Estados-membros, dos quais para oito só há um nome masculino (no caso português é Miguel Poiares Maduro). Note-se: por mim, a Comissão poderia ser inteiramente constituída por mulheres. Os oito países que só indicaram apenas um nome podiam ter escolhido oito mulheres. O que me agasta é o pedido de haver um par homem/mulher indicado por cada país para que von der Leyen possa depois jogar com os nomes, como se estivesse a movimentar cromos em cima de uma mesa até conseguir uma Comissão politicamente correta, ainda que politicamente ineficiente, já que, para conseguir o arranjo, será inevitavelmente forçada a afastar pessoas eventualmente mais competentes.

O pedido de von der Leyen não é compulsório: os Estados não são obrigados a cumpri-lo. Há quatro anos, os candidatos do Partido Democrata também não eram obrigados a escolher mulheres para vice-presidentes. Mas uma e outros cedem ao capricho dos tempos.

Sou contra quotas, sejam de que natureza forem. Impor quotas é discriminar. Insisto no que já escrevi num jornal em papel: para beneficiar alguns, em função do sexo, da idade, da cor da pele ou do local de residência, outros são preteridos. Uma sociedade só prospera se aproveitar devidamente os seus melhores. As quotas, pelo simples facto de serem equacionadas, favorecem a mediocridade. Por isso não há quotas em áreas altamente competitivas, como o desporto. Alguém estaria interessado nuns Jogos Olímpicos politicamente corretos?