O alarido em volta da rusga no Martim Moniz tomou proporções inesperadas e em grande parte absurdas. A troca de insultos, com acusações de racismo e xenofobia como principais armas de arremesso, baseia-se, sobretudo, nas filmagens de uma rusga em que só se vê estrangeiros encostados à parede.

Ora, numa rusga, é habitual mandar-se toda a gente encostar à parede para ser revistada. Mas… e se na rua só houver estrangeiros?

Conto a minha experiência neste mesmo bairro, alguns dias antes da célebre operação especial de prevenção criminal. Vivo na Graça e desci para a Baixa, atravessando a Mouraria, como sempre fiz. Era meio-dia e, pela primeira vez, tive medo de andar sozinha em Lisboa.

Ao longo de todo o percurso não vi uma única mulher. Isto num bairro onde as casas são pequenas e sempre se fez muito vida de rua. Atualmente as moradoras terão medo de sair?

Incomodada (e assustada) com o silêncio absoluto que se fazia à minha passagem e com os olhares dos imensos homens que por ali estavam em grupos sem fazer nada, quis perguntar qual o caminho mais rápido, pois normalmente aproveito esta descida para passear e escolho as ruelas mais estreitas e as escadinhas mais típicas.

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Mas ao longo de todo o percurso não vi ninguém que parecesse falar português, só vi estrangeiros, aparentemente todos de países como o Paquistão e o Bangladesh. Não vi um único branco. Terá sido o que aconteceu à Polícia no dia da rusga?

Fiquei também chocada porque, para além dos muitos homens nos bancos de rua, em grupos de 8 ou 9, havia também muitos (ao meio-dia!) a dormir no chão, embrulhados em farrapos e com ar miserável. Soube depois que é devido ao crack que está a fazer razias entre estes imigrantes, sobretudo homens sozinhos que vêm para cá à espera do El Dorado, cujas famílias chegam a vender as suas terras para lhes pagar a viagem, e que acabam aqui na rua, sem trabalho e sem papéis, vítimas das redes de tráfico humano, sem dinheiro para voltar e com vergonha de voltar. Um horror e uma tristeza que eu nunca tinha visto por aqui, quase à minha porta.

Até há 5 anos, o meu marido era sócio-gerente de um restaurante junto às muralhas do Castelo. Quase todas as noites eu ia ter com ele, descendo da Graça ao Castelo a pé, sozinha, por vielas escuras e vazias, a admirar a noite e com sensação de segurança absoluta. Lisboa, cidade maravilhosa!!!

As coisas mudaram muito, e para pior. E o que digo não tem a ver com racismo ou xenofobia. Mas metam uns milhares de homens sozinhos num espaço estranho, numa situação de pobreza e desenraizamento, em qualquer lugar do mundo, e garanto que, seja onde for, é bem provável que aumente a criminalidade ou, no mínimo, a sensação de insegurança da população local.

Sei de lojas minúsculas (cubículos encastrados nos prédios antigos de Lisboa), com 300 empregados (teóricos, é claro). E todos ouvimos falar dos minúsculos apartamentos onde (teoricamente também, é claro) vivem 1000 pessoas. O que se passa é vergonhoso, mas não é à Polícia que aponto o dedo.

Há 40 anos, eu e o meu marido éramos constantemente apanhados nas rusgas da taberninha onde íamos comer caracóis. Éramos revistados e ficávamos por lá, enquanto metade da taberna corria para o WC a deitar fora o pó branco que não tinha conseguido vender e nos tentava passar fios de ouro acabadinhos de roubar.

Éramos todos brancos. Uns iam parar à esquadra e outros não.

O mesmo acontecia no Bairro Alto e no Cais do Sodré, à saída do Frágil e do Jamaica. Ninguém gritava “racismo!” ou “injustiça!”. Era simplesmente assim. Nós divertíamo-nos passando as noites em zonas conhecidas como locais de droga e outros crimes. A Polícia fazia o seu trabalho, apanhando alguns, dissuadindo outros e deixando as velhotas à janela mais descansadas.

Igual a 2024. Aliás, que eu saiba, daquela gente toda que foi encostada à parede na Mouraria, quase todos voltaram para casa, não foi? Como nós!