Em dezembro último, Eurico Brilhante Dias, presidente do Grupo Parlamentar do PS, dizia no Parlamento e em entrevistas várias que os signatários de uma Petição de que sou promotora são fanáticos das fake news.

Em janeiro, o Ministro da Educação dizia que os pais e diretores que consideram que a lei é desnecessária e que não contribui para a inclusão estão a dar eco a informações falsas que reduzem o assunto às casas de banho, insultando assim numa só frase os quase 55.000 peticionários e os ditos pais e diretores “mal informados”.

Provavelmente, o senhor deputado e o senhor ministro não leram a Petição, que refere explicitamente não só os WC e balneários, mas também a alteração do nome das crianças, a nomeação de um responsável na escola para esta questão, e as experiências legislativas já feitas noutros países.

Apesar de já ter falado de algumas das nossas preocupações no Observador, é com todo o gosto que retomo o assunto. Porque o melhor desta Petição foi ter ajudado a pôr na ribalta uma lei que se arriscava a passar de mansinho sem ninguém notar (ou quase!). Agora fala-se do assunto e numa democracia é bom que se discutam as coisas.

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Antes de mais, gostaria que ficasse claro que a nossa preocupação é com todas as crianças e jovens, incluindo as crianças e jovens trans. Só que consideramos que esta lei não é a melhor (será mesmo a pior) forma de as defender.

E nisso, não estamos sós. Muitos profissionais de saúde metal consideram que o pior que se pode fazer a uma criança ou jovem que esteja a passar pelo sofrimento sempre associado à disforia de género – criança ou jovem normalmente também fragilizado por comorbilidades psicológicas, psiquiátricas e psicossociais que em geral antecedem o início da disforia de género – é lança-lo para uma exposição pública que escolheu quando, nas palavras do American College of Pediatricians, as crianças e os adolescentes não são capazes de compreender a magnitude de tais decisões ou de medir as suas consequências.

Muitos pais que, talvez sem o saber, estavam a pôr em prática medidas aconselhadas por psicólogos e médicos – acolhendo, ouvindo, diligenciando apoio psicológico e promovendo o adiamento de decisões em relação à transição social e/ou medicalizada – têm sido levados a acreditar que a identidade de género é inata, que não se valida através de diagnósticos clínicos, que a única forma de ajudar os filhos é apoiando-os na transição social e terapia de afirmação, e que se não o fizerem correm o risco de serem responsáveis por uma quase expectável tentativa de suicídio.

Afirmações erróneas que estão na base desta lei e que são transmitidas por associações LGBTI+ nas escolas.

No final do artigo deixo alguns dados que refutam ou questionam todas estas afirmações, o que põe em causa – ou deveria pôr! – os próprios fundamentos da legislação aprovada. Ouvir os testemunhos de jovens que pais, levados ao engano, pensavam ajudar e que viram as suas vidas desfeitas porque não lhes foi dada informação completa sobre os riscos que corriam, nem tempo para poder dar um consentimento verdadeiramente livre e informado, ouvir os testemunhos de pais que perderam os filhos para um sistema que já vemos em marcha em Portugal, também é essencial para nos fazer parar e repensar.

Os artigos da lei e a reação nos fóruns

Como todos começam a perceber – e os pedidos de fiscalização ou veto dirigidos ao Senhor Presidente da República pelas mais diferentes entidades, são espelho disso – o ambiente é de confusão generalizada. Não se sabe como pôr a lei em prática e chovem queixas sobre as consequências das medidas já implementadas.

São de destacar três preocupações principais: segurança dos alunos, possíveis acusações de transfobia e conflitos com os pais.

Mas para não desiludir algumas pessoas, comecemos por falar do problema dos WC e balneários.

ARTIGO 5., nº3: «As escolas devem garantir que a criança ou jovem, no exercício dos seus direitos e tendo presente a sua vontade expressa, aceda às casas de banho e balneários, assegurando o bem-estar de todos, procedendo-se às adaptações que se considere necessárias».

Antes de mais, levantam-se dificuldades práticas sobre as tais “adaptações”: falta de espaço e/ou de fundos para fazer mais balneários, inversão que isso seria nas prioridades quando as escolas têm necessidades muito mais prementes, dificuldades na alteração de horários para haver duches rotativos, etc..

E surge muito a pergunta, perfeitamente legítima: Mesmo havendo um balneário disponível, seria possível um professor ou diretor obrigar um aluno a tomar banho separado dos colegas que ele considera do seu género, sem que isso seja considerado discriminatório?

Perante tudo isto, a maioria – apesar de não estar de acordo com o procedimento – considera que, dado que toda a Lei se destina a fazer que as crianças e jovens sejam considerados pessoas do sexo oposto, se for essa a sua vontade, a única medida adequada e sem risco de queixas por discriminação, será chamar uma associação LGBTI+ que dê uma formação à turma, para que os alunos vejam e tratem o colega segundo o seu género autoatribuído, e depois deixar usar o balneário que cada um considerar mais adequado.

ARTIGO 3. a) As escolas devem «Promover, sempre que possível em articulação com organizações de promoção dos direitos das pessoas LGBTI+, ações de informação e sensibilização dirigidas às crianças e jovens, alargadas a outros membros da comunidade escolar, incluindo pais ou encarregados de educação»

Já todos ouvimos falar das apostas entre rapazes heterossexuais sobre quem é o primeiro a identificar-se como rapariga e a conseguir tomar banho com as colegas. Dado que tudo se baseia na autoperceção da criança ou jovem, como se pode impedir?

Já surgem também casos de raparigas que querem usar o duche dos rapazes, o que representa um perigo acrescido. O que fazer? Se um professor ou diretor proibir, pode ser alvo de uma queixa por discriminação, limitação de liberdade e/ou sofrimento psicológico, e ficar à mercê do julgamento de terceiros? Que consequências isso pode ter na sua carreira profissional?

E se for um pai a proibi-lo? O diretor deve fazer queixa à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens e ficar com o peso de eventualmente tirarem uma criança à família?

Naturalmente, há uma preocupação generalizada com o potencial de conflito com os pais neste assunto e em muitos outros. Se um jovem disser que os pais não o deixam vestir como quer, ou se uns pais recusarem a alteração na documentação do filho, deve isso ser reportado à CPCJ como impedimento da livre expressão e autodeterminação de género?

4., nº3: «Qualquer membro da comunidade educativa que tenha conhecimento da prática de atos que representem um risco para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade da criança ou jovem, deve comunicar esse facto à pessoa responsável pela direção da escola, a qual toma as medidas adequadas para a proteção imediata da criança e dá cumprimento ao disposto no artigo 91. ° da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.°147/99, de 1 de setembro».

ARTIGO 5., 1 a) a escola deve proceder à «mudança nos documentos administrativos de nome e ou género autoatribuído» e b) «Adequar a documentação de exposição pública e toda a que se dirija a crianças e jovens, designadamente, registo biográfico, fichas de registo da avaliação, fazendo figurar nessa documentação o nome adotado»

Circulam também frequentes comentários sobre o caráter “pidesco” dos mecanismos de deteção propostos e muitas dúvidas sobre o responsável a quem devem ser feitas as queixas: quem é? quem o deve escolher? que qualificações deve ter? se algum membro da comunidade educativa achar que uma criança apresenta sinais de disforia de género e outro considerar que se trata de uma fase passageira de “maria-rapaz” ou “menino da mamã”, que opinião prevalece? sem diagnóstico profissional, não há o risco de se estar a encaminhar uma criança para um caminho que não existia à partida?

ARTIGO 4. (Mecanismos de Deteção e Intervenção)

4., nº1 – «As escolas devem definir canais de comunicação e deteção, identificando o responsável ou responsáveis na escola a quem pode ser comunicada a situação de crianças e jovens que manifestem uma identidade ou expressão de género que não corresponde ao sexo atribuído à nascença».

Quase todos consideram que estas crianças e jovens devem ser diagnosticados e acompanhados pelo psicólogo, mas há queixas de falta de psicólogos e os próprios sentem-se tolhidos no exercício da profissão por uma lei que praticamente só deixa campo de ação para as práticas de afirmação – há que ter presente que no dia 21.12.2023, os deputados portugueses aprovaram um diploma que visa criminalizar e proibir qualquer tipo de terapia que não seja direcionada para a transição.

Assim, tudo indica que esta lei não servirá para diminuir o sofrimento, mas para lançar jovens fragilizados no sofrimento acrescido da exposição pública e para diminuir o seu acesso a cuidados de saúde mental, tornando quase único o caminho da validação automática de uma disforia de género que se baseia somente na autoperceção e autoexpressão de crianças e jovens imaturos, mesmo contra a opinião de pais, professores e psicólogos.

EM SUMA:

Numa época em que há mais do que nunca necessidade de estabilidade na família e na escola, esta lei promove um insustentável clima de delação e de conflito pais/filhos, pais/escola e alunos/professores e subverte totalmente a hierarquia no exercício da autoridade, atribuindo sempre a palavra final à criança ou jovem, dando-lhe, inclusivamente, mecanismos de punição graves que podem levar os pais a perderem a tutela dos filhos, e professores ou direções escolares a perderem os empregos, devido a queixas – do próprio ou de qualquer membro da comunidade escolar – pelo que eventualmente possam considerar atitudes discriminatórias na escola ou em casa, causadoras de sofrimento psicológico e/ou limitação da liberdade.

Esta lei atenta contra a liberdade das crianças e jovens através de uma emancipação prematura que pode colocar em risco a sua integridade física e psicológica. Atenta contra a liberdade dos professores e psicólogos exercerem livremente a sua profissão. Atenta contra a liberdade dos pais educarem os seus filhos segundo as suas convicções e das escolas – nomeadamente as escolas privadas – porem em prática os seus ideários (ver os juristas e médicos católicos).

Além disso, e é também um dos pontos que focamos na Petição, parece ser uma lei à partida obsoleta que não tira proveito da experiência de países onde há mais tempo foram implementadas medidas semelhantes e onde o aumento de problemas graves, incluindo de violência física, já levou a um recuo. Na Grã-Bretanha, o NHS (Serviço Nacional de Saúde) tem feito fortes advertências contra a “transição social de sexo” e o Governo, após uma recolha de informação junto de 17.000 pessoas (incluindo especialistas, organizações e partes interessadas com conhecimento desta questão), alterou a lei que passou a exigir instalações sanitárias separadas por sexo e/ou instalações sanitárias privadas e independentes. Do mesmo modo, o movimento de recuo na implementação da ideologia de género, nas escolas e não só, é já claro na Noruega, Suécia, Finlândia e em vários estados dos EUA.

O que diz a Ciência

O debate no mundo científico sobre esta questão é aceso e está neste momento muito longe de alcançar um consenso.

Ao contrário do que afirmam repetidamente como verdade indiscutível os defensores da ideologia de género, tudo indica que a disforia de género não é uma característica inata – estudos com gémeos monozigóticos demonstram que mais de 72% dos fatores responsáveis ocorrem após o nascimento e não são biológicos – e estima-se que se não forem objeto de ações de afirmação ou de intervenção hormonal, entre 80% e 95% das crianças que apresentam disforia de género, vão naturalmente identificar-se com a realidade do seu sexo biológico antes de chegarem ao final da adolescência. Contudo, os estudos sugerem que o reforço social (de que esta lei é um exemplo acabado) contribui para o desenvolvimento e/ou persistência da disforia de género.

O protocolo de ação no que se refere à disforia de género tem vindo a ser o da promoção da “transição” através de várias medidas sociais (nas quais se insere esta lei), e atuações médicas como tratamentos de supressão da puberdade, prescrição de hormonas cruzadas e fármacos para toda a vida, com conhecidos e graves efeitos secundários, e cirurgias irreversíveis.

O American College of Pediatricians, considera que este protocolo se baseia numa ideologia de género não científica, que carece de uma base de evidências e que viola o princípio ético de longa data de “Primeiro, não causar danos”. Recomenda o fim da promoção da ideologia de género por meio de currículos escolares e políticas legislativas, e uma maior pesquisa científica que busque compreender as bases psicológicas do transtorno da disforia de género, identificar as terapias familiares e individuais mais indicadas, e delimitar as diferenças entre crianças cuja condição se resolve com acompanhamento e espera (a enorme maioria), versus aquelas cuja condição se resolve com terapia, e aquelas cuja condição persiste não obstante a terapia.

Na Noruega, um dos países que há mais tempo adotou o conceito ideológico do género, o Observatório Médico Norueguês – depois da Finlândia, Suécia e Reino Unido – incentiva agora o país a abandonar as diretrizes de cuidados de afirmação de género pois, de acordo com a investigação realizada, o chamado modelo afirmativo de cuidados para menores que se autodeterminam do outro sexo não reúne provas científicas que o apoiem.

Estudos cada vez mais alargados no tempo demonstram que o número de suicídios entre pessoas com disforia de génerosão maiores depois das transições hormonais e cirúrgicas do que antes. Dado que se trata de uma perturbação extremamente dolorosa e quase sempre associada a outras morbilidades, infelizmente os números são altos, mas estão muito longe dos apontados pelos ativistas da ideologia de género. (ver Dianna T Kenny PhD)

Para quem se interessar por este assunto, recomendo vivamente uma série documental da SVT (televisão pública sueca), cuja investigação junto de pessoas trans e das suas famílias, instituições médicas, profissionais de saúde e até ministros, levou a alterações na lei do país e dá uma visão clara do “comboio” em que Portugal também está a embarcar. Espero que também cá se possam repensar as coisas a tempo de evitar mais sofrimento entre os jovens e mais disrupção na nossa sociedade cada vez mais fraturada. (Partes 1, 2, 3 e 4)