Em Portugal confirma-se que os números de infectados da Covid-19 estão a melhorar e no sentido expectável, os números de internados e dos internados em cuidados intensivos mantiveram-se controlados, os números de recuperados começaram finalmente a subir ao ritmo espectável (é espectável que o número de recuperados aumente exponencialmente nas próximas semanas, tal como o número de infectados cresceu no início do surto), e à imagem do que outros países da União Europeia já estão a fazer, Portugal vai promover a redução do confinamento e aliviar algumas das medidas.

Assistiremos a um “novo normal”, e por isso o Governo deveria comunicar uma planificação estratégica e objectivos claros, com timings certos de forma assertiva e comum a todos os intervenientes. A área é multidisciplinar, e, apesar da medicina e da ciência serem as pedras basilares deste tema, não são o único prisma sob o qual devemos analisa-lo, pois não nos devemos esquecer que o problema não é (só) o confinamento por si (mesmo países sem confinamento têm previstas grandes quebras do PIB), o problema é que se as pessoas não forem esclarecidas e continuarem com receio, não vão começar a consumir, e sem consumo, não há recuperação possível. É possível defender a vida e a economia ao mesmo tempo, e não é preciso deixar a epidemia proliferar, para garantir que a economia começa a funcionar.

Com o elevado número de casos reais nas primeiras semanas de Março em Portugal (e nos países do mundo com os quais nos relacionamos mais), a melhor opção que o Governo tinha e utilizou era a da supressão, com vista a ganhar tempo para implementar medidas mais cirúrgicas e menos gravosas para a Economia, numa fase posterior. Tomás Pueyo, autor de vários artigos sobre a Pandemia, que são já uma referência para vários Governos, denomina este processo de “Martelo e Dança”. Trata-se de um princípio de quarentenas num modelo down-up (na fase Martelo), e da posterior retirada das medidas (a Dança) com medidas muito mais focadas. A estratégia de supressão, ao invés da estratégia de mitigação (que tenta sobretudo achatar a curva), tenta aplicar medidas mais pesadas para rapidamente ter a epidemia sob controlo e suprimir todo e qualquer caso de contágio, até levar os contágios tendencialmente a zero.

Primeiro age-se com força ao impor um forte distanciamento social e colocar a situação sob controlo, depois, vão-se retirando as medidas, para que as pessoas gradualmente recuperem as suas liberdades e possamos voltar a algo que se assemelhe a uma vida social e económica normal. Com uma estratégia de supressão numa primeira onda de casos, o número de mortos é minimizado, porque não só reduzimos o crescimento exponencial na primeira fase, como reduzimos também a taxa de mortalidade, uma vez que o sistema de saúde não ficou completamente assoberbado. Já a acção localizada, permite controlar os surtos que surgem, sem necessidade de impor quarentena a todos. O princípio do down-up, baseia-se no controlo detalhado e localizado de todos os surtos existentes, por zonas: casa, prédio, rua, quarteirão, freguesia, cidade, concelho, país e área do globo.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Na fase de retirada de medidas, agora em curso, deveríamos fazer um esforço para rapidamente ter de novo todas as fronteiras abertas, assim como o espaço Schengen, mas para isso deve ser implementado um sistema de teste e rastreio epidemiológicos em todas as fronteiras (embarque e chegadas), com controlo de temperatura e teste rápido Covid-19 (como algumas companhias aéreas já o estão a fazer). Isto faz parte da questão de segurança, da imagem de prevenção e de garantia de tranquilidade que devemos transmitir às pessoas, para que sintam que podem recomeçar a sair, estudar ou trabalhar (nos casos em que isso seja possível) pois sentirão que as autoridades se prepararam para esta fase.

O que vai acontecer às fronteiras não depende só de nós, mas a forma da sua reabertura a 15 de Maio deve ser estudada. Na fronteira com Espanha, temos de ter muito cuidado com medidas unilaterais, pois a situação espanhola é ainda mais gravosa do que a nossa e a sua reabertura vai ser posta em cima da mesa mais cedo ou mais tarde. Todos aqueles que no controlo de fronteira tiverem testes com resultado positivo, deverão ser encaminhados de imediato para locais próprios de confinamento e quarentena de 14 dias (e todos os que tiverem tido contacto, serem também testados) para no fim voltarem a ser testados.

Podíamos ter planeado a actuação sem confinamento total, mas para isso precisávamos de estar muito melhor preparados. É por essa diferença na preparação para este surto, entre países asiáticos e ocidentais, que se verifica um discurso dissonante entre os epidemiologistas Ocidentais e os Asiáticos e isso resulta em estratégias diferentes aplicadas nos dois continentes. Aliás as estratégias seguidas nos países asiáticos têm beneficiado do conhecimento que os epidemiologistas asiáticos adquiriram na altura do SARS. De facto, um mero “achatamento da curva” pode ser um compromisso para doenças endémicas como as causadas pelas estirpes do vírus da gripe sazonal, mas não em Pandemias ainda desconhecidas como foi a SARS e como ainda é o Covid-19. Nestes casos, a supressão do vírus, acompanhada por uma gestão de poucos casos (Dança) parece ser a melhor estratégia. Parece existir a ideia que somos tão diferentes dos povos asiáticos e até de superioridade moral por parte dos epidemiologistas ocidentais sobre os asiáticos, que os fez desconsiderar o facto desses países terem adquirido uma experiencia fundamental com o SARS e a MERS.

Não obstante a boa resposta portuguesa, o Páis podia ter implementado o modelo desses países asiáticos desde o início. Taiwan, Coreia do Sul, Singapura e Macau na Ásia, e a República Checa, a Áustria, a Bulgária e a Eslováquia, na Europa, conseguiram manter a economia a funcionar, reduzindo ao máximo o risco. A aposta neste tipo de medidas permitiu dominar esta epidemia, sem ser necessário aguardar pela vacina.

Este tipo de vírus morre por si, à medida que se vão controlando e eliminando as cadeias de contágio. O vírus para poder progredir precisa de hospedeiros e se não houver contágio deixa de haver hospedeiros. Da mesma forma que se erradicou a SARS, a Poliomielite, e tantas outras como a Gripe Espanhola, será possível erradicar a Covid-19. Com supressão eficaz, o número de casos irá cair de um dia para o outro, como vimos em Hubei, e hoje, há zero novos casos diários de Covid-19 numa região com 60 milhões. De qualquer forma, contamos que a ciência permita obter uma vacina no espaço de 12 a 18 meses.

Para implementar esta estratégia será fundamental a criação de um “Gabinete de Pilotagem Covid-19“ coordenado pela “Task Force” entretanto a criar, e que possa usufruir da informação proveniente da DGS, do Ministério da Saúde, do Ministério da Administração Interna e do Ministério da Justiça. Esse grupo de trabalho teria como objectivo testar muitos milhares pessoas por dia, e rastrear todos os contactos. Suportado em equipas com muitos recursos humanos (com competências de investigação, que podem vir da lista de desempregados que agora começa a crescer em Portugal), para fazer rastreio detalhado de contactos e manter as pessoas suspeitas em monitorização e fazer com que sejam todas testadas. O tempo é crucial. Se o isolamento de contactos demorar mais de 2 dias, não serve para nada, pois os contactos têm que ficar imediatamente em quarentena e testados. Uma equipa destas é cara, mas é uma fracção do que custa ter a economia parada mensalmente.

Este gabinete terá de ter um sistema de informação ou plataforma agregadora da informação das diversas fontes, tendo acesso em tempo real à informação proveniente dos novos surtos que entretanto poderão continuar a surgir, uma vez que é imperativo monitorizar e rastrear todos os que entretanto tenham tido contacto com alguém confirmado positivo à Covid-19. Estas pessoas podem estar assintomáticas e negativas a testes, pelo que há que colocá-las imediatamente em quarentena (<48h), caso se tornem entretanto positivas. É preciso tratar cada caso de Covid-19 como um pequeno círculo da epidemia e tentar isolá-lo, para que esses círculos não se liguem ou se cruzem, nem cresçam exponencialmente.

Para podermos começar uma operação de rastreio aprofundada como acontece nos países asiáticos, será necessário uma maior capacidade de testes não só para detectar e isolar mais infectados, como para testar todos os contactos desses infectados. Para isso há novos métodos de teste, que permitem acelerar o processo de teste e rastreio, os quais permitem reduzir substancialmente os custos. Em Portugal já testamos bastante, mas para termos a epidemia controlada, não podemos ter mais de 3% positivos, e ainda andamos com uma média de 9%. Para se poder efectuar quarentenas eficientes para os novos surtos que surjam, é necessário colocar de alerta unidades hoteleiras em locais estratégicos com elevado número de quartos, agora vazios, para poder isolar essas pessoas e garantir que não serão novos vectores de crescimento exponencial de surtos. Tal será possível com requisição por parte do Estado.

Podemos assim relaxar as políticas de distanciamento social de uma forma muito mais segura, transmitindo muito mais confiança à população, pois se sabemos onde o vírus está, podemos actuar apenas nesses locais, e assim conseguir manter controlada a epidemia sem um isolamento social draconiano. Estas medidas de teste e rastreio ajudaram a controlar o crescimento da Covid-19 em vários países Asiáticos e puseram a epidemia sob controlo, sem necessidade de manter uma forte imposição de restrições de distanciamento social por muito tempo. A própria comunidade médica considera necessário que as autoridades portuguesas olhem para os melhores exemplos asiáticos.

Agora que chegamos aqui, temos de pedir à população que continue a ser disciplinada, pois à menor trégua podemos ter uma regressão dolorosa. Para isso vão ser necessárias medidas para formar e informar a população, e com isso conseguir a eliminação gradual das medidas de isolamento social, mas em condições, para que não se corra o  sem incorrermos no risco de sermos atingidos por uma segunda vaga. Os portugueses não estavam preparados para medidas de distanciamento, isolamento e protecção. É crucial dar formação a todos (redes sociais e TV), desde as crianças aos idosos, para explicar, agora mais do que nunca, como agir nesta nova fase que se avizinha, para começarmos a retomar da economia o mais rapidamente possível.

Mesmo antes dos políticos em Portugal tomarem iniciativas, já a sociedade o tinha feito, retirando os filhos da escola, colocando-se em isolamento profilático, pois o medo já estava instalado. É preciso ter um “mix” ponderado de medidas que permitam a economia recuperar, assegurando ao mesmo tempo um nível de segurança epidemiológico que transmita segurança à sociedade (estamos convencidos que tal hoje ainda não existe). A incerteza ainda é muito grande e as pessoas não sabem bem o que fazer. Elas têm de ser esclarecidas. Vamos concentrar-nos em criar as condições para que as pessoas não tenham medo de ir trabalhar, ir a um restaurante, viajar, ou ficar num hotel. O plano para voltar à normalidade terá de ser pedagogicamente explicado. Os portugueses já perceberam que a vida daqui para a frente será diferente.

Com o regresso a alguma normalidade a partir de Maio, o uso das máscaras deve ser obrigatória em todos os espaços públicos. A comunicação é fundamental para não gerar mais dúvidas numa população a quem foi dito o contrário até agora. Pode haver diferenças quanto à protecção das máscaras para o próprio, pois o tipo de máscara (algodão, filtro de carbono, cirúrgicas, FFP) tem influência, mas o princípio fundamental a realçar deve ser o de que se todas as pessoas usarem uma máscara, a epidemia é fortemente atenuada.

Segundo Tomas Pueyo, o impacto do uso de máscaras com 60% de eficiência de filtragem (de tecido feito em casa) por 60% da população por si só são suficientes para parar a epidemia, reduzindo a taxa de transmissão (o famoso “R”) abaixo de 1. É lamentável que as recomendações da OMS, tenham levado à não adopção do seu uso e que o bom senso não tenha imperado mais cedo noutros países europeus, para além da Republica Checa. De facto, apesar de não haver certezas, não havia nada a perder em avançar assim na altura, até porque todos fomos sendo avisados e havia inúmeros bons exemplos da Ásia nesse sentido.

Foram perdidas milhares de vidas e a destruição na economia mundial foi gravemente ampliada e tudo devido a más recomendações. Nós todos agora sabemos que temos de lavar as mãos (a primeira de todas as medidas), manter o distanciamento social e seguir as regras da etiqueta respiratória. Mas também sabemos que é absolutamente fundamental por todos os motivos que já ouvimos, a utilização de várias medidas combinadas de forma adequada e sabemos que é mais eficaz o uso de medidas em complementaridade, do que cada uma por sí só.

Combinada com os mecanismos rápidos de identificação e isolamento de infetados, a utilização das máscaras será extraordinariamente importante para começarmos a ter mais vida, toda a economia começar a desenvolver-se mais cedo, e começarmos a voltar a fazer algumas coisas que agora nos estão proibidas. Já não restam dúvidas que, sendo um dos aspectos fundamentais do sucesso da Ásia na luta contra o novo coronavirus, mais cedo ou mais tarde as máscaras vão passar a fazer parte do nosso quotidiano até à vacina.

Essa adoção é visível em países da União Europeia onde já começou a haver alguma actividade de retoma da economia há duas semanas, coma a República Checa, a Áustria, a Bulgária e a Eslováquia. Em todos esses países foi tornado obrigatório o uso de máscaras.  A República Checa é mesmo o caso que melhor se pode comparar com Portugal, pois tem mais ou menos a mesma população e foi a primeira a introduzir o uso de máscaras obrigatório. No combate à Covid-19 na Europa, são sem duvida uma grande referência. A República Checa teve o primeiro caso um dia antes de Portugal, mas já reabriu os estabelecimentos, contando com pouco mais de 7 mil casos e de 200 mortos. A Áustria é o país que mais recentemente tornou obrigatório o uso de máscaras em espaços fechados e tem pouco mais de 15 mil casos e 500 mortes, tendo reduzido muito o crescimento, de lá para cá. A Bulgária introduziu as máscaras de forma obrigatória há uma semana e meia e regista pouco mais de 1500 casos e menos de 70 óbitos.

É forçoso notar que se a ideia for seguir as recomendações da direcção da OMS, esta nunca vai recomendar uma utilização generalizada das máscaras para todos os países, pois não podemos esquecer que há neste mundo países cujo rendimento médio da população não chega a um dólar por dia. Mas é notório que em todos os países onde onde as máscaras são usadas de forma generalizada, desde a Coreia do Sul até Taiwan, só existem casos de sucesso. A disponibilização das mesmas pelos respectivos governos, a preços baratos e fixos, para todos os quem lá vivem, foi um aspecto importante na estratégia seguida e que permitiu o “milagre” asiático.

Se conseguíssemos implementar uma estratégia semelhante, o Governo poderia ainda considerar a abertura de mais estabelecimentos de ensino, eventualmente com um ensino misto, presencial ou on-line e do programa “Estudo em Casa”. Desde que existisse o teste e rastreio alargado e a utilização das máscaras fosse generalizada, as hipóteses de abertura da Economia são muito mais vastas.

Esta abertura mais vasta dos escolas seria especialmente importante para os profissionais independentes e gerentes de empresas que não têm nenhum ou pouco apoio do Estado. As consequências desse retorno mais rápidos à normalidade serias fundamentais para o Orçamento do Estado. O “Gabinete de Pilotagem Covid-19“ teria um papel fundamental, pois onde fosse detectado algum foco de contágio, imediatamente as escolas dos filhos dos pais identificados no âmbito desse foco seriam imediatamente fechadas, e os meninos passariam nesse caso a usufruir das aulas em ambiente on-line e usufruindo do programa “Estudo em Casa”. Assim apenas se fechariam as escolas directamente ligadas a surtos identificados, permitindo manter todas as restantes escolas abertas.

É positiva a decisão do Governo em arrancar com o pequeno retalho, os pequenos negócios e a restauração (nomeadamente para as refeições ao almoço, para quem recomeça a ter de ir ao escritório trabalhar). Ao mesmo tempo deve ser promovida uma estratégia de digitalização para os negócios, apoiando todos aqueles que queiram lançar-se no online. Portugal é um país que se pretende moderno e que aposta no conceito de “start-up”. Nessa medida, pode promover o desenvolvimento e utilização de aplicações para reserva de posição e agenda nas diferentes lojas de retalho, cabeleireiros e restaurantes, para evitar filas de acesso aos locais. Podemos promover o conceito de “digital fitting rooms” para experimentar sapatos, roupas, cortes cabelo, etc, sem necessidade de provadores (já se faz na Coreia do Sul), e evitando a concentração das pessoas em ambiente de loja.

Podemos ainda ajudar ao arranque da economia procedendo ao incentivo ao consumo através de um esquema de oferta de “vouchers” aos portugueses, à imagem do que tem vindo a suceder em várias cidades na China. Os “vouchers” seriam emitidos uma vez por semana até ao Verão, e poderiam ser usados em lojas de vários sectores tais como as de retalho ou restaurantes, mas também em locais culturais, desportivos ou turísticos, e muitos dos beneficiários deste esquema e com maior percentagem de desconto, seriam as pessoas de mais baixo rendimentos. Foi anunciado que no mês passado mais de 40 cidades tinham aderido a este esquema de incentivo, que supostamente alavancarão compras acima de 1,4 biliões de euros. As estimativas apontam para que o valor do consumo seja dez a vinte vezes maior do que o valor emitido pelos “vouchers”.

Temos de conseguir gerar confiança, aprendendo com os bons exemplos na Europa e na Ásia. É por isso fundamental a existência de um “Gabinete de Pilotagem Covid-19”, cuidar das fronteiras e garantir a recuperação da pequena economia.

Disciplina e muito controlo, é o segredo para terminar a epidemia em Portugal e levar os contágios a ZERO, pois, depende de todos nós a recuperação das cidades, do país e em última instância, do Mundo.

Obviamente que a medicina irá evoluir, aparecerão anti-virais e vacinas, mas se conseguimos chegar até aqui, estamos certos que conseguiremos realizar o fading-out de uma forma disciplinada e progressiva.

E assim sairemos do túnel sem riscos de derrocadas, e a dita luz irá aparecendo progressivamente.

Este é o maior desafio das nossas vidas, mostremos a nossa força e a nossa união.

Agradecimentos ao Think Tank informal “INFO | Covid-19” e ao Pedro Ribas de Araújo pelos seus contributos.