Nas últimas duas semanas temos assistido a um pulular de peritos que se erguem para falar, com sapiência, sobre o INEM. Salvo honrosas exceções, dir-se-ia que saem debaixo de uma qualquer pedra e os requisitos para a ilustre função são terem, algum dia, sentado as nádegas numa ambulância, ser primo de alguém que o fez ou meramente ter visto passar, pelo menos duas vezes, uma ambulância na frente dos olhos. Incluir-me-ei, seguramente, nalgum desses grupos.
Mas passemos ao que interessa: o INEM precisará ou não de ser refundado?
Na minha opinião, não!
O INEM precisa de melhorias a vários níveis. Mas as suas fundações são sólidas. Desde a sua criação, em 1981 (Decreto-Lei nº. 234/81, de 3 de agosto) que o INEM é “…dotado de personalidade jurídica e de autonomia administrativa e financeira, dispondo de património próprio”. Nenhuma das sucessivas revisões sobre esse diploma alteraram isso.
Portanto, está, na sua fundação, bem clarificada, a sua independência administrativa, financeira e patrimonial. Não é preciso refundar isso. Basta cumpri-lo!
Por outro lado, se na sua génese o INEM tinha apenas a atribuição de “…coordenar as actividades desenvolvidas, a nível regional, pelas várias instituições no âmbito do Sistema de Emergência Médica, mediante a fixação de regras conducentes a uma intervenção conjugada e eficiente…”, tornou-se evidente, com o tempo e com o crescimento das exigências em saúde da população, que necessitaria de ir mais longe, tanto que em 2007 (Decreto-Lei nº 220/2007, de 29 de maio) é acrescentada à sua missão a atribuição de funções de prestador de cuidados: “O INEM, I. P., tem por missão definir, organizar, coordenar, participar e avaliar as actividades e o funcionamento de um Sistema Integrado de Emergência Médica (SIEM) de forma a garantir aos sinistrados ou vítimas de doença súbita a pronta e adequada prestação de cuidados de saúde”, fato que já estava em prática desde a sua fundação, quando operacionalizou os Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) e uma das primeiras Viaturas Médicas de Emergência e Reanimação (VMER) do País, em Lisboa. Essa atribuição não foi alterada desde então.
Portanto, para além da missão de mero coordenador foi acrescentada, juridicamente, em 2007, a função de prestador de cuidados, atividade que já desenvolvia, parcialmente, desde a sua fundação no início dos anos 80.
Importará reconhecer que a atividade de formação em emergência médica também está presente no código genético do INEM desde a sua fundação: “Promover a formação e qualificação do pessoal indispensável às acções a empreender no campo da emergência médica…”, atribuição que tem vindo a ser considerada de uma enorme mais-valia para o sistema, e que foi em 2012 reforçada: “Definir, planear, coordenar e certificar a formação em emergência médica dos elementos do SIEM, incluindo dos estabelecimentos, instituições e serviços do Serviço Nacional de Saúde (SNS)”. Não está, em nada, obrigado a prestar toda a formação. Ou mesmo alguma. Está, isso sim, obrigado a defini-la e a garantir que cumpre com padrões de qualidade.
Portanto, está na sua fundação a preocupação com a formação em emergência médica e não precisará de ser alterada.
Finalmente, e sobre a eterna questão ideológica (sem qualquer relevância prática, pelo menos neste caso) do público versus privado, importará recordar, uma vez mais, o primeiro decreto-lei que “funda” o INEM, que diz: “Promover e assegurar a articulação das acções que, no âmbito da emergência médica, sejam executadas por quaisquer entidades públicas ou privadas, no sentido de lhes garantir a indispensável eficiência;” e ainda “Promover e celebrar acordos de cooperação com outras instituições que exerçam actividades no âmbito da emergência médica…”, sem limitação entre público ou privado. Aliás, e para tentar terminar com esta discussão absurda, desde sempre que o INEM estabelece “protocolos” (provavelmente contratos será a palavra juridicamente mais adequada) com Associações Humanitárias de Bombeiros Voluntários que, como é sabido, têm a natureza de pessoas coletivas de direito privado, embora sem fins lucrativos.
Portanto, público ou privado é, julgo, uma não-questão.
Ora, considerando que a refundação está, definitivamente, banida do léxico INEM, importará agora refletir sobre o caminho a seguir e a sua necessária e urgente melhoria.
Mais, é urgente decidir se queremos que o INEM cresça ou definhe (não há meio termo, se não crescer, numa sociedade em evolução, definhará). Na minha opinião, deverá crescer. Crescer em número de meios e em diferenciação. Aproveitar a atual crise para se tornar maior e mais forte será uma oportunidade única e irrepetível, que não deverá ser desperdiçada.
Comecemos pelas pessoas, que são sempre o mais importante (infelizmente mais vezes no discurso do que na prática): é imperioso dotar o INEM de Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (TEPH) em número suficiente para suprir as suas atuais (e futuras) necessidades. Para isso, é necessário assegurar a capacidade para atrair e reter esses profissionais. A revisão da carreira, nomeadamente da sua componente salarial é imprescindível. A sua formação, diretamente ministrada pelo INEM ou por delegação certificada e regulada, é fundamental e deve ser tempo-efetiva. A melhoria da formação dos parceiros (dos Bombeiros e da Cruz Vermelha Portuguesa) também deve ser melhorada. Mais (meios, formação) é, efetivamente, mais. E mais, em emergência, é melhor; Urge repensar o papel dos enfermeiros na estrutura. Por motivos diversos, julgo que mais emocionais que racionais, têm estado, injustamente, relegados para segundo plano. Mas é indiscutível a sua importância nas atuais ambulâncias de Suporte Imediato de Vida (SIV)- que devem aumentar significativamente-, e o seu potencial papel nos CODU. Para além disso representam, pela sua sólida formação de base e pela facilidade de integração da formação especifica adicional para as tarefas INEM, uma opção estratégica a considerar seriamente num eventual plano de melhoria e crescimento do Instituto. Numerosos Países têm apostado nesta opção, com excelentes resultados; E, finalmente, o papel dos médicos. Toda a atividade de emergência médica em Portugal assenta nos médicos, sob atuação/controlo direto ou sob a forma de delegação. Mas estes, no INEM, estão num limbo, uma área cinzenta da regulamentação da sua carreira e da sua atividade. Não são totalmente aplicáveis os preceitos da carreira médica da área hospitalar e não existe a área da emergência médica/pré-hospitalar (alegadamente por isso, não tem “direito” a optar pelo regime de dedicação plena, sendo penalizados relativamente a outros médicos). Também não existe ainda, implementada, a especialidade de urgência/emergência médica, não tendo podido, até agora, progredir na sua carreira. É preciso olhar para esta situação com atenção e interesse, sob pena de, se nada for feito, o sistema integrado de emergência médica ficar amputado do seu órgão decisor em todas as suas fases: o médico.
Em segundo lugar, interessará falar do financiamento. É necessário verificar se o orçamento do INEM acompanha as necessidades/oportunidades de crescimento acima referidas. Se não o fizer, deverá ser reforçado. Para além disso, é necessário assegurar que é suficiente para as despesas contratualizadas com os parceiros do INEM e com eventuais novos parceiros a contratar para que a atividade de emergência médica fique devidamente assegurada. Finalmente, é necessário que o financiamento do INEM permita renovar, continuamente, as suas viaturas, equipamentos e materiais, bem como crescer e inovar, também do ponto de vista tecnológico. Começar pela restituição ao INEM de verbas resultantes de saldos de gerência de anos anteriores seria um bom princípio e que, provavelmente, permitiria assegurar o investimento inicial necessário para o crescimento que se exige. Seria ainda uma forma de manter uma máxima económica de poupança = investimento.
Em terceiro lugar, num instituto desta natureza, com a missão de salvar vidas em situações de emergência, não se coaduna a aplicação cega e inflexível das normas rígidas aplicáveis aos outros institutos públicos/administração pública no que respeita a contratação de pessoas, escolha de dirigentes, compras e aquisições, etc. Torna-se por demais evidente que nunca tal deveria ter sequer acontecido. Autonomia administrativa e financeira (conforme prevista na sua Lei Orgânica), associada a agilidade processual são princípios fundamentais e necessários para o seu bom funcionamento.
Numa altura em que se tornaram evidentes algumas das dificuldades do INEM, merecerá, também, atenção os seguintes fatos: o de ter apenas dois elementos no seu Conselho Diretivo, contrariando a lógica de decisão colegial; e do vencimento de todos os seus dirigentes ter sido discriminada, negativamente, em face dos seus homólogos da Direção Executiva, da Administração Central de Sistemas de Saúde (ACSS) ou mesmo do INFARMED. Se queremos (e precisamos!) cativar os melhores, é necessário poder atrair os melhores.
Em suma, a fundação está sólida. É preciso é trabalhar bem nas paredes e nos acabamentos.