Não é novidade para o cidadão, desde há muito e sobretudo na atual “Sociedade da Informação e do Conhecimento“, que a vida na sua expressão mais simples – nascer, viver e morrer – se manifesta maioritariamente através de dois eixos críticos: a saúde e a doença. E no quotidiano, da linguagem popular, “a saúde é o bem fundamental”. Sendo a doença um dos maiores males do mundo, quer se manifeste através da pobreza, da fome, das epidemias, das patologias crónicas, das doenças agudas ou raras. Donde, e sem descer à história longa das formas como sempre se atuou desde os tempos da Idade Antiga ate à Idade Contemporânea, para preservar a saúde e tratar os doentes (muitas vezes falando-se apenas em tratar as doenças), isto é “gerir a saúde”, o que hoje se debate em crescendo e a partir de duas datas importantes do século XX (no pós II guerra mundial em especial), é como evoluir para uma Sociedade Global mais saudável, como gerir a qualidade de vida das populações, em especial na dimensão assistencial.

Essas datas foram dezembro de 1948 – Declaração Universal dos Direitos do Homem – e setembro de 1978, data em que foi adotada em Alma-Ata pela OMS, numa Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, a “necessidade de ação urgente de todos os governos, de todos os que trabalham nos campos da saúde e do desenvolvimento e da comunidade mundial, para promover a saúde de todos os povos do mundo”.

Desde então, focando-nos mais no caso português, com a criação em 1979 do Serviço Nacional de Saúde, o tema tem sido crescente no interesse natural, tanto no debate político como social e económico, muito com enfoque na análise do estado geral da “saúde em Portugal” e quase sempre em comparação com a situação de outros Países Europeus e com ênfase em três vertentes críticas: 1- a relação do cidadão com o binómio saúde/doença, 2- a relação do utente/doente com os profissionais da saúde e 3- na dicotomia ou complementaridade dos cuidados de saúde públicos, sociais e privados e cada vez mais numa ótica de gestão integrada da doença.

Relativamente à vertente crítica 1 – “relação do cidadão com o binómio saúde/doença “, muito está por fazer na literacia em saúde e na perspetivação de que, desde que nascemos sempre estamos em “cuidados continuados de prevenção e ou curativos”. E não apenas quando envelhecemos ou quando as evoluções sociais e económicas individuais e de grupo podem provocar alterações substanciais no trabalho e no lazer.

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Como já uma vez li “a saúde e a doença são formas únicas, experiências objetivas subjetivas e que não podem ser manifestadas integralmente através de palavras. No entanto, a pessoa doente utiliza palavras para expressar a sua doença e os profissionais da saúde, por sua vez, também fazem uso de palavras para significar as queixas dos pacientes. Dessa maneira, surge tensão entre a subjetividade da doença e a objetividade dos significados atribuídos pelos profissionais às queixas do paciente e que o levam a propor intervenções para lidar com esta situação”. Sobre esta temática e com especial incidência nas práticas médicas recomendo a leitura de um livro recém-publicado “A relação Médico Doente – Um contributo da Ordem dos Médicos”. Ou a leitura dos manuais de boas práticas que as Ordens dos Enfermeiros, Farmacêuticos e Outras, constantemente atualizam e divulgam.

Já no tocante à “vertente integrada” (vertente 2), o tema requer ser repensado em prioridade e utilizar a inovação sistemática para fazer mais e melhor. Mas sobretudo diferente para melhor. Porque evitar e tratar as doenças assim o exige sendo cada vez mais um desafio sistémico e holístico. Neste desiderato o tema “Gestão em Saúde” tem crescido de interesse, debate e aprofundamento técnico. Inicialmente muito focado na gestão Hospitalar (nos longínquos anos de 1899, oito “Superintendentes” de hospitais encontraram-se em Cleveland – EUA – para formular um plano visando estabelecer práticas médicas, dessa reunião resultou a criação da Associação dos Superintendentes Hospitalares (AHA) cujo objetivo fundamental era “incrementar o diálogo entre profissionais da saúde” sobretudo ligados à administração/gestão em saúde) mas progressivamente integrando todas as formas organizativas, onde e como são tratados doentes, visando o restabelecimento e preservação da saúde.

Em Portugal, se é um dado histórico que a atividade de Gestão Hospitalar, então chamada de “Provedoria”, já aparecia expressa no “Regimento do Hospital de Todos os Santos” de 1504, só depois de 1948 e muito pela ação de Coriolano Ferreira a criação da profissão de gestor hospitalar foi relançada. Mas só em 1968, através dos Decreto-lei n.º 48.357 e Decreto-lei n.º 48.358, ambos de 27 de Abril, estes diplomas que criaram as carreiras médica e farmacêutica, estabeleceram para Portugal que “…os estabelecimentos e serviços hospitalares devem organizar-se e ser administrados em termos de gestão empresarial…” (artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 48.357) criando-se e regulamentando-se assim a carreira de administração hospitalar.

Na Europa e recordando, os Hospitais foram introduzidos pelos romanos cerca de 100 a.C. enquanto locais, chamados valetudinaria, com o objetivo de cuidar dos soldados feridos nas batalhas. Mas foi só a partir do século IV, com o crescimento do cristianismo, que os hospitais se expandiram. Comandados por sacerdotes e religiosos, os mosteiros passaram a servir de refúgio para viajantes e doentes pobres. Esses lugares possuíam um infirmitorium, onde os pacientes eram tratados, uma farmácia e um jardim com plantas medicinais. Considera-se que foi este o modelo para os hospitais modernos. Na Idade Média, as ordens religiosas continuaram a liderar a criação de hospitais e calcula-se que só os beneditinos abriram mais de 2000. E, depois da longa evolução nas Idades Moderna e Contemporânea (que alguns autores consideram ser apenas iniciada em 1914 com o início da Primeira Guerra Mundial…) o ecossistema da saúde centrou-se, em muita da sua ação curativa, em grandes e modernos hospitais. Tendo-se desenvolvido naturalmente a necessidade de uma forte gestão hospitalar bem como de profissionais com diferentes backgrounds e trabalhando em equipa para a levar à prática de forma eficiente e com qualidade.

E é aqui que reside, no final da segunda década do seculo XXI em plena euforia da Sociedade Digital, o enorme desafio de “REPENSAR, INOVAR, FAZER DIFERENTE e SAUDAVELMENTE, em Gestão em Saúde – (healthcare management na terminologia anglo-saxónica)”.

Em primeiro lugar, porque gerir em saúde não é um exclusivo desta ou daquela Profissão. É um trabalho de equipa. E muito complexo e desafiante. Em segundo lugar, porque gerir em saúde não é uma atividade burocrática, mas um processo sistémico inteligente e criativo. Técnico e humanista. Apesar de cada vez mais normalizado e sujeito a regras de inovação, necessita de ser repensado positivamente em cada ciclo do desenvolvimento social e económico de cada Sociedade. Em terceiro lugar, porque as dicotomias entre Chefes e Líderes em saúde, não se validam só por diplomas ou carreiras. Mas por resultados e boa perceção do que quer e avalia o “utente/paciente”, família e amigos, a sociedade em geral, sobre como se vai melhorando a preservação da saúde e se vai otimizando o processo de tratar as doenças. Em quarto e, quiçá o último, mas não o derradeiro ponto neste texto: é preciso assumir que a gestão do Sistema Nacional de Saúde e especialmente a do Serviço Nacional de Saúde está obsoleta. Que é necessário um grande e sistemático trabalho para alterar o estado das coisas. E que, para tal, utilizando as palavras do saudoso Professor João Lobo Antunes: “é preciso ouvir com outros olhos”. Trabalhar e estudar mais para conseguirmos “boas melhoras”.