Desde que pessoalmente me recordo de estar atento à importância e alcance da palavra REFORMAR, que tal palavra mágica me entrou em permanência na cabeça, para ficar no estudo e na vontade de atuação. Mas também muitas vezes próxima da expressão “DESÂNIMO”.

Ambas as palavras estão cada vez mais nos ecos que oiço, com cada vez menos serenidade e maior apreensão sobre o futuro.

Nos anos 1972/73, em sessão de estudo com colegas universitários, descobri o texto “Navegar é Preciso” de Fernando Pessoa: “Navegadores antigos tinham um lema: navegar é preciso, viver não é preciso. Quero para mim este lema, adaptando-o à minha vida e à minha missão no mundo: viver não é necessário, o que é necessário é criar.

Para a minha geração, esta frase foi muito popularizada por Caetano Veloso na sua canção “Os argonautas”. E adotei esta magnifica canção como música de fundo sempre que analisava, estudava, propunha ou colaborava em ações técnicas e comportamentais, visando o “REFORMAR” na Sociedade em que fui vivendo.

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Progressivamente, à medida que os anos pós-1974 se foram desenrolando e com a minha passagem profissional pelo Sector Público e Privado, fui sempre confrontado com a curiosa dicotomia: revolução e/ou evolução?

No ano de 1976 tive acesso a um artigo escrito por Larry E. Greiner publicado em 1972 na Harvard Business Review com o título “Evolution and Revolution as Organizations Grow” (Evolução e revolução à medida que as organizações crescem). Tornou-se então para mim claro, de uma forma convicta, que era necessário começar a pensar e atuar de forma diferente se queríamos reformar para crescer.

Foi através da maneira “precisa e simples” como Greiner explorou no texto o crescimento das Organizações (em particular as empresas) desde o momento da sua criação até à fase “adulta”, que percebi que muito havia a aprender e aplicar para reformar a Sociedade, em especial o Estado, a máquina estatal/ministérios e outras estruturas de governo, incluindo empresas publicas. REFORMAR para melhorar o futuro.

Noutro quadrante e derivado do texto “The Manager’s Job: Folklore and Fact”, da autoria de Henry Mintzberg, publicado em 1990 na Harvard Business Review, em que o autor desmistifica a “imagem” de grande eficiência e eficácia da vida de quem gere, dei muitas vezes comigo a analisar o “folclore” político-tecnocrático da via reformadora que corria pelo mundo e em especial em Portugal.

Concentrando-me na Reforma da Saúde, para dar corpo ao título deste texto, parece-me que sem ousadia criativa, nova inteligência e capacidade futurista de reorganizar processos e modelos de trabalho inovadores dificilmente conseguiremos ultrapassar o que os dois autores atrás referidos apontaram para o final do século passado.

O caso da “reforma da saúde” em Portugal, nos tempos quase pós-pandémicos que vivemos, está na ordem do dia, mas tem problemas complexos a resolver e tem “muita coisa a reformar”. Não é tarefa fácil, mas tem sobretudo de visar a simplificação da perceção, informação/comunicação e organização processual da prestação de serviços centrada no cidadão (saudável e doente).

Para o comum cidadão o que está em causa na melhoria do SNS já não é só a parte do SNS (Serviço) mas também a do SNS (Sistema). Já não vale a pena estar sempre a recordar que o Serviço Nacional de Saúde foi criado em 1979 com o objetivo de o Estado assegurar o direito à proteção na saúde e em caso de doença a acessibilidade aos cuidados.

O que está hoje em causa é que, perdido num emaranhado de leis e mais leis, estruturas e mais estruturas, interesses e mais interesses, o modelo de gestão integrado orientado ao cidadão tem mais obstáculos que soluções e, na sua enorme burocracia e custos, compromete a qualidade dos cuidados, a motivação dos profissionais, muitas vezes insuficientes, acrescida da sua muita desmotivação resultante da falta de incentivos tangíveis e intangíveis.

Claramente a questão SNS (Serviço) e SNS (Sistema) está no centro do debate. Da REFORMA URGENTE.

O tema da falta de “dinheiro” (investimentos e despesas correntes no quadro do Orçamento de Estado e do Sistema Nacional de Seguros públicos e privados) versus a “falta de gestão” enchem e fazem transbordar o debate mediático e o dia a dia das Organizações de Saúde.

Reformar em saúde obriga, na minha opinião, a cinco “simples, mas grandes” eixos de atuação, mesmo tendo em conta a elevada complexidade técnica e comportamental que se vive no sector da saúde (e bem-estar):

  1. Simplificação da linguagem formal e comunicacional, alterando os “cuidados primários, secundários e terciários”, para cuidados preventivos, de emergência/urgência e de acompanhamento/reabilitação. Vantagens desta perspetiva, sobretudo perante a fragmentação que hoje existe na prestação de cuidados: inovação nos processos e organização dos sistemas de trabalho.
  2. Ajuste dos processos de trabalho integrados entre cuidados primários e hospitalares numa perspetiva de o “cidadão no centro do sistema”, dando neste domínio especial enfase aos “doentes” sociais e à saúde mental.
  3. Simplificação do quadro institucional e legal em saúde, visando, para utentes e profissionais, o reconquistar da confiança. Com reordenamento remuneratório, avaliativo, motivacional.
  4. Aumento da literacia em saúde (e bem-estar), utilizando meios multimédia, associados a uma maior formação multidisciplinar para os profissionais de saúde e a uma maior adequação cívica dos cidadãos e das estruturas locais, como é o caso das autarquias e regiões nacionais, a um comportamento mais sério e sereno.
  5. Comparação e comunicação permanente do “estado da saúde e bem-estar” (a nível nacional e internacional) através da articulação entre os vários Sistemas de Ensino, as Associações de Doentes e de Profissionais da Saúde.

A Evolução e/ou Revolução, a par da descodificação do Folclore Político em Saúde nos tempos que correm, continuam a ter de ser muito bem equacionadas e levadas à prática.

Reformar em saúde a muito obriga.