Eram 21 horas e qualquer coisa quando circulava numa das artérias mais turísticas de Aveiro, vizinha da emblemática Praça do Peixe, epicentro da diversão nocturna daquela capital de distrito. Era sábado, 31 de outubro, noite de Halloween, uma data que, só por si, tem por hábito arrastar alguma massa humana até às ruas. Mas não em 2020! Nos escassos minutos que levei a percorrer aquela artéria (rua Tenente Rezende), repleta de restaurantes tradicionais e não só, deparei-me com um vazio de emoções e um assustador buraco de tristeza: uma calçada despida de movimento, de agitação e sem alvoroço algum. Um cenário sombrio equiparado a um western de Eastwood, onde as bolas de feno, ao sabor do vento, emprestam o som de fundo a um qualquer episódio que se prevê hediondo. Nem o ranger das portas do saloon existia. Adiante.

Numa situação normal, centenas de espanhóis preenchiam aquelas esplanadas e o interior dos espaços. Mas, agora, nada disso se descortina. Não se ouve castelhano nem idioma qualquer além-fronteiras. Olhar para o leque de funcionários de restauração espalhados pelo evoluir daquela rua, torna-se confrangedor: de pé, tesos, horas a fio, mais estáticos do que as defesas do FC Porto ou do Benfica da última jornada, a dialogarem uns com os outros de coisas sem interesse – que apenas objectivavam fazer o tempo voar de maneira célere -, de semblante carregado de frete e agonia, sem esperança alguma que fregueses surgissem. Funcionários a prazo de patrões que procuram um milagre, mergulhados numa expectativa que mal se vê a olho nu.

O deserto sem conclusão arrasta-se até aos bares, em pé de igualdade com a malta da restauração. Muitos deles já nem as esplanadas montam. Para quê? Para enfeitar uma paisagem carente de companheirismo e júbilo? Não, não faz sentido. A partir das 20 horas, o pessoal ficou proibido de beber um fino, uma caneca, um whisky numa esplanada qualquer. Apenas dentro dos respectivos bares, o que não deixa de ser o cúmulo da contradição, fazendo sentir entre nós uma leve brisa de que há malta que manda – e gosta de mandar, de ordenar e voltar a mandar –, que se mantém à deriva em termos de políticas e normas, dando privilégios a uns e sacando, sem dó nem piedade, o tapete dos pés de outros tantos. Nos tempos que correm é mais arriscado ser proprietário de um restaurante ou de um bar (já nem falo de discotecas) do que ver, por exemplo, a Paula Bobone no Bairro da Jamaica a promover lições de etiqueta.

Com as novas normas restritivas, será inevitável o encerramento de muitos desses espaços, o despedimento de um sem-número de funcionários e a falência da esperança que, eventualmente, ainda existia nesta gente. E não venham com a gasta e  leviana lenga-lenga de “reinventarem-se” em tempos de crise: cortar nas luzes de Natal – cujo brilho actual assemelha-se à luz escura do duplex de Judas – e ajudar os comerciantes (como fizeram no sul de Espanha) que se vêem mais entrincheirados por um cenário obscuro, seria uma ajuda gira e empolgante, como um carro de Fórmula 1 a mais de 300 quilómetros por hora, e divina, como o 13 de Outubro de Fátima. Não é uma ideia porreira, pá?

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