Todos sabemos que o nosso Serviço Nacional de Saúde (SNS) sofre, há vários anos, de uma descapitalização progressiva que tem “empurrado” cada vez mais profissionais de saúde para um sistema privado que, por consequência lógica, está em franca expansão a nível nacional.
O chamado Sistema Nacional de Saúde conta, necessariamente, com o setor privado e social para além do espaço público de saúde, devendo haver um equilíbrio justo e natural para que se possa cumprir a Constituição Portuguesa.
O que todos notamos, é que o enfraquecimento sucessivo do serviço público está a levar a danos praticamente irreversíveis, com penalizações graves para os mais desqualificados da comunidade, apesar de estarmos a ser inundados com paletes de produtos de cosmética para que o óbvio pareça irrelevante no mundo da informação.
Também já nos cansamos de ouvir quais os problemas de que padece o SNS e quais as possíveis soluções a todos os níveis. E como isto começa a perder o interesse pelo “cansaço”, inocente ou provocado, então iremos assistir a um decair sem retorno e daqui a dez anos olharemos para trás com saudade de um SNS de excelência que já tivemos.
Precisamos, então, de mudar para nada fique na mesma, como é apanágio da nossa cultura política.
Como sabemos, se formos utilizar os mesmos atores na área da saúde dos últimos anos e as mesmas práticas pretensamente reformistas, iremos, muito provavelmente, obter os mesmos resultados: zero reformas que se notem e mudem de uma vez por todas o paradigma da saúde em Portugal.
E qual a possível solução?
Se olharmos ao que se passa em países sensivelmente da mesma dimensão que o nosso, como a Dinamarca e mesmo a Nova Zelândia, e com o mesmo tipo de financiamento baseado nos impostos, como os países referidos e mesmo a Inglaterra, reparamos que há uma mudança radical no modo como o negócio (do latim “negócio como sendo qualquer atividade que não está destinada ao lazer, mas sim à produtividade económica”) é efetuado: a gestão da saúde é altamente profissionalizada e convenientemente separada do crivo dos gabinetes do Ministério da Saúde.
Na Nova Zelândia, essa equipa de topo, que tem por missão gerir no terreno todos os assuntos da saúde chama-se, inteligentemente, “National Leadership Executive” e o seu líder é um médico prestigiado, com conhecimentos sólidos em gestão. Na Dinamarca há uma descentralização efetiva do sistema sob a supervisão da “Danish National Authority”. Na Inglaterra, e apesar de problemas complexos no acesso e na qualidade de serviços, decidiu-se manter o mesmo sistema separado de gestão, com um CEO que já lá está há vários anos.
Precisamos, assim, que o poder político e executivo possa assumir com coragem e sagacidade a criação de uma pequena equipa de líderes com formação clínica específica e conhecimentos robustos de gestão, a quem será passada a responsabilidade e autonomia para dirigir o SNS num espaço de tempo para além de uma legislatura e que possa ir, aos poucos, reconstruindo/reformando o sistema de saúde.
Esta é a nossa proposta. Impossível? Não será. Improvável? Sim, pois em Portugal delegar tarefas é sempre muito difícil, porque os circuitos de poder têm esquemas muito próprios de funcionamento.
Miguel Sousa Neves é ainda Presidente da Direção da Competência em Gestão dos Serviços de Saúde da Ordem dos Médicos e pós-graduado em Direção de Unidades de Saúde