A líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, resolveu quebrar o silêncio instalado no partido sobre a tentativa de negócio imobiliário do seu vereador na Câmara de Lisboa. Um silêncio que tinha levado Robles a fazer a sua defesa pública totalmente desacompanhado. Uma defesa que esteve longe de convincente, pois, face ao seu discurso habitual, não é por não «fazer uma venda direta» que o seu comportamento enquanto proprietário pode ser considerado como «coerente» e «exemplar.
Havia alguma expectativa sobre a forma como um partido habituado a denunciar as incoerências alheias, iria lidar com o «carrossel da especulação» que lhe tinha entrado pela casa adentro, até porque o PSD não demorou a pedir a demissão de Robles. Uma expectativa que, como era previsível, saiu frustrada.
As palavras de Catarina Martins inseriram-se naquela que é a prática habitual dos partidos populistas. No caso de esquerda, mas que seria semelhante se a conotação fosse de direita.
Assim, não foi necessário recorrer à estratégia de legitimação que Pablo Iglésias e a sua companheira, Irene Montero, usaram em Espanha. Isto apesar do montante pago pelo casal – 600 mil euros – representar pouco mais do que a décima parte do valor que Robles pretendia obter. Ou de Iglésias e Montero serem compradores de uma habitação própria e Robles assumir a condição de proprietário vendedor.
A estratégia de defesa passou pelo ataque ao PSD e à imprensa, melhor, aos jornais acusados de «infâmia» e de perseguição política ao partido. Servindo-se de faltas de precisão ou de lapsos jornalísticos, Catarina Martins soube tirar partido dessas incorreções para desviar as atenções públicas do cerne da questão.
De facto, como disse, não houve mais-valias, uma vez que o negócio não se consumou. Porém, talvez convenha que a líder bloquista saiba qual o papel que, neste processo, cabe à intenção pública e longamente manifestada. Dito de uma forma mais direta: Ricardo Robles só não vendeu o prédio porque a agência imobiliária a cujos serviços recorreu não conseguiu encontrar um comprador que pagasse os 5,7 milhões de euros, apesar do anúncio abonatório sobre a propriedade.
Todos os desenvolvimentos posteriores fazem parte da teoria da justificação de quem está habitualmente do outro lado da barricada. Robles proprietário não soube conviver com Robles denunciador do «carrossel da especulação imobiliária». É essa a realidade que o próprio não teve a hombridade de reconhecer.
Uma situação que se tivesse como protagonista um político dos denominados partidos de direita mereceria a condenação na praça pública por parte do Bloco de Esquerda. A cópia do anúncio da venda seria exibida como prova inequívoca do pecado especulativo. Os «arrependimentos» posteriores seriam interpretados como sinais de consciência pesada ou como tentativas de tapar o sol com uma peneira.
Robles proprietário não cometeu qualquer ilegalidade. Aliás, o mesmo aconteceria caso a venda se tivesse efetuado, desde que Robles cumprisse as obrigações do foro administrativo-tributário.
Porém, a leitura terá forçosamente de ser outra quando a análise contemplar a dimensão ética. Nesse plano, Robles – tal como qualquer outro político – não pode querer impor aos outros aquilo que não está disposto a cumprir.
Um dilema que atinge todos os partidos e que assume mais visibilidade no caso dos partidos populistas. Pelo menos até que esses partidos cheguem ao Poder e passem a controlar a comunicação. Não será por acaso que os grandes inimigos das lideranças populistas são os corpos intermédios, designadamente os partidos tradicionais e os órgãos da comunicação social.
Partidos populistas que não calam a indignação pelo comportamento da elite, mas que não enjeitam a possibilidade de ascenderem aos corredores e às salas do Poder e colocarem em prática a ética companheira. Aquela que tudo desculpa aos nossos. Sobretudo o indesculpável.
Professor de Ciência Política