Caro leitor, o tema que me traz para esta crónica é bastante sensível, mas ganhou honras de destaque, após a publicidade de Natal da Vodafone Portugal: saúde mental.

Ver uma empresa multinacional a preferir falar na publicidade de Natal de um tema que afeta muitos dos seus clientes, em vez de preferir promover o telemóvel A ou B, ou o pacote de TV+Net XPTO, demonstra consciência social e a importância de se falar de um tema que, em Portugal, tem sido tabu ao longo das décadas.

Portugal tem um problema estrutural a nível social e a nível económico e ninguém dos diversos Governos quis ver ou assumir isso. Claro que salários baixos, impostos elevados, custos de vida astronómicos e uma pressão societária elevada criam o cocktail perfeito para deixar os portugueses num estado de ansiedade permanente e, em casos mais severos, com uma depressão profunda, por ausência de perspetivas realistas e sólidas de futuro.

O leitor pensa que estou a fazer política com o parágrafo anterior, mas lamento informar: Portugal é o Lewis Hamilton (recordista de vitórias e pole positions da Fórmula 1) da UE, no que toca a consumo de antidepressivos. Segundo dados de 2021, entre 2000 e 2020, 131 em cada 1000 portugueses são medicados contra a depressão. Estamos em primeiro lugar e deixamos os suecos a 26 pontos de distância.

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Não sei quando é que os governantes portugueses vão decidir reclamar a taça e colocar nas paredes do Ministério da Saúde, mas eu, enquanto português, teria vergonha de estar no topo deste ranking.

Mais ainda, segundo entrevista de Outubro de 2022 do psiquiatra Gustavo França, “os estudos epidemiológicos de saúde mental em Portugal têm revelado que somos um dos países europeus com maior prevalência de perturbações mentais, incluindo as perturbações de ansiedade e perturbações depressivas, sendo que os fatores de natureza social, como a pobreza e outras situações sociais desfavoráveis podem contribuir para este diferencial.”

Para acentuar a realidade dos estudos, o problema estrutural é demais evidente, quando só se tem 250 psicólogos para todos os centros de saúde do país. Logo, o recurso a antidepressivos, por parte dos médicos, tornou-se a solução mais evidente, como paliativo para um problema estrutural.

A anisedade e a depressão são os 2 problemas de saúde mental mais evidentes, que em Portugal e no Mundo se tende a esconder. Detetar que uma pessoa é doente mental, às vezes, pode ser uma missão espinhosa. Muitos desses doentes têm truques para esconder o lado mais negro e vender a imagem de que tudo está bem, para o exterior… mas, quando chegam a casa, têm problemas reais de sono, tremores, irritabilidade e, em caso extremo, decréscimo nas relações profissionais e pessoais, para além de potenciais pensamentos de incapacidade extrema e pensamentos suicidas.

Por exemplo, muitos lembram-se do ator Robin Williams. Grande ator cómico, responsável por grandes sucessos como o “Good Morning Vietnam”, “Mrs. Doubtfire” e até pelo excelente contributo em “A Night at the Museum”. Fazia milhões rir, mas sofria de depressão profunda, que escondeu dos holofotes, com mestria e humor e o levou ao suicídio, em 2014.

Ou, um exemplo mais recente e próximo dos portugueses: o médico intensivista Gustavo Carona. Rosto mediático que todos ouviram em período de pandemia em 2020 e 2021 e que, recentemente, em entrevista à Visão, declarou sofrer de dor crónica, com implicação na saúde mental. Destaco as seguintes palavras: “A doença afasta as pessoas. A tristeza não é atrativa. O sofrimento torna-nos um produto tóxico que ninguém quer ter nas suas mãos.

No meu exemplo pessoal, também me bateu à porta o problema da sáude mental. Só mais de 1 ano depois é que consigo falar do mesmo e após muitas consultas e orientação.  É todo um processo que teve direito a conhecer a Risperidona e a Paroxetina, receitadas pelo médico, bem como a necessidade de procurar psicoterapia. Tudo no privado, porque o SNS aconselhou-me um “sofá” para esperar sentado, devido aos longos tempos de espera…

Fui diagnosticado em 2021 com síndrome de burnout. Se as pessoas acham que é fácil resolver o problema e falar sobre o mesmo? Desenganem-se… na origem do problema, tive que seguir a sugestão do médico e na primeira reunião de equipa, no meu trabalho, após o diagnóstico, tive que “dar um murro na mesa”: “Ou contratam mais alguém, ou o próximo a sair daqui sou eu e ficam com o trabalho todo por resolver. Estou farto de estar sobrecarregado. Acabou.”.

Claro que os meus colegas e o meu chefe achavam que o “super-trabalhador”, que ganhava bónus mensais consecutivos de performance, nunca ia chegar a este discurso limite. Ficaram em choque. Basta dizer que acelerei o processo de saída e menos de 2 meses depois, mudei de departamento, evolui na carreira para um local onde sou mais reconhecido e o problema da desorganização da equipa antiga continuou.

Neste processo todo, tive dois conselhos sábios que partilho com os leitores: do meu médico e da minha psicoterapeuta. O meu médico disse: “Não se esqueça disto: O trabalho nunca acaba. A família e os amigos não são eternos.”

A minha psicoterapeuta, de entre muitos ensinamentos, destaca sempre isto: “Faz acções em que sintas que a tua dignidade não é ameaçada. Estabelece um limiar da dignidade para ti. Quando o teu limiar da dignidade for ameaçado e atacado, pára.”

É muito positivo ver que há mais personalidades a partilharem os seus testemunhos neste capítulo, mas ainda há um longo percurso a fazer na partilha destes momentos negativos, bem como a procurar encaminhar para soluções reais, pois os pactos de silêncio e a cultura das aparências ainda estão muito enraizados na sociedade.

Precisamos de menos Rogérios Colaço (reitor do IST) na nossa sociedade, com declarações infames que desvalorizam o sofrimento mental dos seus stakeholders antigos e atuais, com suícidios incluídos e um gabinete de psicologia em residência há vários anos: “missão é formar engenheiros, não é dar apoio psicológico”.

Precisamos, sim, de mais pessoas comuns e de mais famosos, como a Simone Biles, a MARO e o Gustavo Carona, que estão descomprometidos e falam do seu exemplo pessoal como forma construtiva de abrir consciências para a saúde mental!

Se o leitor tiver amigos neste estado, ou se estiver a sentir-se em baixo, mental e fisicamente, fale… o silêncio não é solução para a saúde mental!

O Governo português tem de agir em conformidade para sairmos do 1º lugar no consumo de antidepressivos, arranjando estratégias globais de mitigação da saúde mental e, ao mesmo tempo, agilizando processos no SNS, de modo a que se melhore a qualidade das terapias aplicadas, com  maior equilíbrio entre psicoterapia e medicação.

Logo, ver o anúncio de Natal da Vodafone Portugal, pode ser o abanão que faltava na consicência de muitos jovens e adultos, para se falar sobre um problema que toma conta da nossa sociedade, de forma silenciosa, mas com resultados aterradores.

Festas Felizes!

Deixo aqui alguns contactos importantes, em situação de depressão, ansiedade ou para conversar:
SOS VOZ AMIGA: Horário: Diariamente das 15:30 às 00:30; Contacto Telefónico: 213 544 545 | 912 802 669 | 963 524 660
CONVERSA AMIGA : Horário: 15:00 – 22:00; Contacto Telefónico: 808 237 327 | 210 027 159

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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