No artigo anterior lancei um Alerta Vermelho sobre o futuro do nosso Sistema de Saúde e o risco de este se partir em dois Sistemas estanques. Um, para quem pode, totalmente privado, assente em Seguros de Saúde, Rede Hospitalar Privada e numa rede de Cuidados de Saúde Primários Privada, (em constituição e “roubando” ao SNS a nova geração de Médicos de Família) auto-referenciadora para a rede hospitalar privada. E o outro um SNS descapitalizado, sem capacidade de investimento e de renovação de equipamentos, desfalcado de médicos e com incentivos negativos para os que ficam, com cada vez mais atrasos nas consultas e cirurgias.
E se tudo isto já estava a acontecer antes do Covid se anunciar e em período de crescimento do PIB e baixa do desemprego, agora com um previsível rombo no OE superior a 15 mil milhões de euros só com rapidez, decisão e vontade política será possível evitar o que previ:
Provavelmente, dentro de pouco tempo, será preciso ter um Seguro de Saúde para se conseguir ter um Médico de Família, para se poder fazer exames atempadamente, para se conseguir uma consulta hospitalar ou cirurgia em tempo útil.
Quando um Estado fica sem dinheiro para investir na Saúde tem que deixar para a iniciativa privada o investimento. Quando um Estado não tem dinheiro suficiente para despesa corrente na Saúde, tem que deixar para os cidadãos o pagamento do que falta. E, sem desrespeitar a qualidade, tem que dar primazia à eficiência de forma a se gastar da melhor maneira o pouco dinheiro disponível e evitar ao contribuinte o custo do desperdício. Não pode é deixar os cidadãos sem soluções
A alternativa ao “obrigar” os portugueses a pagarem do seu bolso seguros privados limitados no alcance e caros, é uma profunda reforma do SNS. Reforma que para ser politicamente possível precisa de garantir um SNS com melhor acessibilidade, melhor qualidade, melhor eficiência e capaz de satisfazer a classe média, assente em 7 vetores:
- Acesso Universal
- Financiamento Adequado e Solidário.
- Rede Social
- Tabela Social Concertada
- Contratualização Esclarecida
- Liberdade de Escolha e Competição por Clientes
- Auto-Regulação
I. Acesso universal
Considera-se o Acesso de todos os Cidadãos a Serviços de Qualidade em tempo útil e de forma a que não se ponham considerações de ordem económica financeira ao cidadão, como o fundamento das políticas sociais, designadamente na Saúde, que importa garantir.
Este conceito engloba a qualidade e empenhamento dos agentes, a existência de estruturas físicas de qualidade, a existência de vias de comunicação, a existência de democraticidade e equidade no acesso, a existência de uma solução de financiamento solidário.
Assim, e de acordo com a Constituição, o acesso aos Cuidados de Saúde deve continuar a ser gratuito sem prejuízo de eventuais taxas moderadoras
II. Financiamento Adequado e Solidário – Instituto de Seguro Social de Saúde
Sem se mudar o financiamento da Saúde não será possível qualquer Reforma da Saúde porque o Ministro da Saúde será trucidado antes que algo aconteça.
A solução que se propõe passa pela criação de um Financiador Independente- O Seguro Social de Saúde. Será ele quem pagará aos prestadores de cuidados de saúde os serviços que prestam. Será um seguro mutualista de cobertura universal e sem exclusões. O seu dinheiro virá das contribuições, iguais, de todos os Portugueses. O Estado, que deixará assim de ter que suportar financeiramente as instituições do SNS, passará a usar o orçamento do Ministério da Saúde para comparticipar, substituindo-se, nos pagamentos das Famílias para o Seguro Social de Saúde em função inversa das capacidades económicas destas, sendo que esta contribuição irá dos 100% , numa grande maioria de casos, aos 0%.
Desta forma se promove a justiça e a solidariedade social preconizada na Constituição e se consegue mais dinheiro para a saúde (o necessário) de uma forma pacífica, e, no acesso, torna iguais todos os cidadãos perante o prestador (evitando as situações de privilégio em função das capacidades económicas e sociais que poderiam decorrer das propostas existentes que de quem mais pode mais paga no acesso aos SNS e como tal será atendido primeiro e melhor)
O Instituto de Seguro Social de Saúde será a sede do Seguro Social de Saúde e terá uma Concelho Geral com representação tripartida do Estado, Cidadãos e Prestadores
III. Rede Social
Resolvida a questão do financiamento então será possível o passo seguinte. A entrega, gradual, das Unidades de Saúde do SNS à gestão privada. Por venda, concessão ou qualquer outra modalidade que se revele adequada. Desta forma serão ultrapassados os constrangimentos referidos no artigo anterior decorrentes da Administração Pública. Cada unidade terá uma solução própria, sendo de estimular que sejam as próprias unidades a apresentarem e a escolherem soluções, que poderão passar até por cooperativas ou empresas de profissionais, solução perfeitamente adequada por exemplo para as Unidades de Saúde Familiares e que até já está prevista na Reforma dos Cuidados de Saúde Primários de Correia de Campos (USFs de Modelo C)
Apesar de passarem para a Gestão Privada todas estas unidades do SNS ficam obrigadas a trabalharem exclusivamente para os utentes do Seguro Social de Saúde e constituirão assim a Rede Social. Esta rede poderá ser alargada a todos os prestadores privados ou sociais que, nos mesmos moldes, com ela se queiram convencionar/contratualizar.
As sucessivas avaliações das Experiências dos quatro Hospitais do SNS em regime de Parceria Público Privado (Braga, Cascais, Loures e Vila Franca de Xira) revelarm-se superiores aos de gestão pública quer no desempenho quer na eficiência, custando menos 30% e gozando de “paz social” . Note-se que não será possível pedir dinheiro para Saúde aos portugueses sem, em contrapartida, lhes oferecer um Sistema muito melhor. Hoje as pessoas pagam, voluntariamente, para a ADSE porque isso lhes permite o acesso ao sistema privado onde encontram uma resposta mais eficiente. E até o PCP defende a alargamento da ADSE aos familiares dos beneficiários.
Conseguido isto pode-se então, com grande poupança, fechar todo o aparelho burocrático que “administra” a Saúde, reservando-se o Estado à parte técnica (Direção Geral da Saúde), Regulação e Fiscalização (Entidade Reguladora da Saúde), para além da sua participação no Conselho Geral do Instituto Seguro Social de Saúde.
IV. Tabela Social Concertada
Os serviços prestados pelas Unidades que integram a Rede Social aos utentes do Seguro Social de Saúde serão pagos conforme uma Tabela Social. Esta tabela resulta da proposta aprovada pelo Concelho Geral tripartido (Estado, Representantes dos Utentes, Representantes dos Prestadores) do ISSS que será assim sede de concertação esclarecida.
V. Contratualização esclarecida
A contratualização e a tabela social deverão garantir o acesso atempado de todos e promover a eficiência e ganhos em saúde. Não deverão ser apenas pagamentos por ato. A atual contratualização das Unidade de Saúde Familiar (USFs) é um exemplo a seguir. No Hospitais PP também se estava a evoluir neste campo. A contratualização esclarecida é um vetor fundamental.
Contratualização QARE, visando : Qualidade, Acessibilidade, Resultados e Eficiência
VI. A Liberdade de Escolha
A Liberdade de Escolha leva os prestadores a viverem num ambiente de “competição por clientes” e por isso estarem de facto, centrados na satisfação dos interesses e necessidades dos “clientes”
Fundamental é que “o dinheiro siga os utentes” de forma a que cada instituição ganhe com o aumento da procura e se possa adaptar a esta.
O sistema convencionado de análises clínicas e exames radiológicos e outros, que apesar de pago por uma tabela muito baixa é o sector que melhor funciona na Saúde, com rapidez, qualidade e satisfação dos utentes que só pagam a taxa moderadora (de que grande parte está, aliás, dispensada), é o exemplo a seguir.
VII. Auto regulação.
O Sistema deverá dispor de mecanismos de vigilância automática e grande capacidade de autorregulação concertada a nível do seu Conselho Geral tripartido, acima referido, mexendo quer nas tabelas quer nos prémios/taxas, para cima ou para baixo, de forma a que não se assista, nunca , a deficit ou a problemas de tesouraria, devendo o saldo de execução ser perto do zero.
Por outro lado, a referenciação deve ser assente nos Médicos de Família.
Esta Reforma exige coragem, vontade política e decisão; mas ela é necessária, já!