Vivemos atualmente uma crise urgente, dramática e absolutamente inadiável. As previsões são estarrecedoras: as conclusões preliminares do sexto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), divulgado em agosto deste ano, mostram que o aquecimento é mais rápido do que o que se pensava, estimando-se que o limiar de +1,5º relativamente à era pré-industrial deverá ser atingido em 2030, dez anos antes das projeções anteriores.

As alterações climáticas são uma ameaça existencial para a humanidade e a questão política mais relevante que as democracias enfrentam atualmente. É de notar que a crise climática é, também, uma crise dos regimes democráticos, que têm revelado a sua incapacidade de alcançar reduções sustentadas e fortes da emissão de gases de efeitos de estufa.

Vários autores questionam a incapacidade dos regimes democráticos para lidarem com a crise climática e há mesmo quem assuma que lhes é impossível fornecer uma solução efetiva para a mesma: seja porque os líderes eleitos se mostram presos a ciclos eleitorais curtos e incapazes de assumir compromissos de longo prazo, ou porque poderosos lobbies ligados aos combustíveis fósseis aprisionam a tomada de decisão nas políticas públicas, ou ainda porque a desconexão entre a política nacional e internacional esbarra num multilateralismo limitado, são várias as fraquezas das democracias liberais para enfrentar esta ameaça que pode, em última análise, conduzir à extinção da humanidade, como realça o anúncio recentemente divulgado pelas Nações Unidas.

Perante estas conhecidas fraquezas, o que se pede atualmente aos líderes políticos dos regimes democráticos, sobretudo dos europeus, é responsabilidade e compromisso. Não é, por isso, mera coincidência que o combate às alterações climáticas seja precisamente o primeiro dos quatro desafios estratégicos identificados no Programa do Governo. Nem que um dos eixos estratégicos da política externa portuguesa identificados nesse mesmo Programa seja o de apoiar o multilateralismo e o sistema das Nações Unidas, intervindo em todas as agendas multilaterais como a Agenda do Clima.

É por isso incompreensível que o Primeiro-Ministro António Costa tenha cancelado a sua participação na Cimeira de Líderes Mundiais da COP26, a grande Conferência do Clima que se reúne por estes dias em Glasgow, e que muitos encaram como a última oportunidade para salvar o planeta. Trata-se, decididamente, do encontro mais importante desde o Acordo de Paris e ao qual comparecerão os principais líderes dos países democráticos. É de lamentar as ausências de peso, de Putin, Modi, Bolsonaro e Xi Jinping, que não são, contudo, surpreendentes.

Surpreende, no entanto, e entristece-me particularmente, que António Costa não tenha colocado os interesses do futuro e do planeta acima da crise política que atravessamos. O Governo está em plenitude de funções e, ao que tudo indica, assim continuará nos próximos tempos (a não ser que, em caso de dissolução da Assembleia da República, o Presidente decida também demitir o Governo, uma vez que António Costa já sinalizou não ter intenções de o fazer). Sendo Portugal um dos países da Europa mais potencialmente expostos às alterações climáticas, é lamentável que, nestas circunstâncias, se tenha abdicado com tanta leveza de cumprir o programa do Governo, e de dar voz ao mais alto nível a Portugal, aos nossos jovens e às nossas crianças, em função de interesses de curto-prazo. O que está em causa é bem mais relevante, e sobretudo, bem mais grave, infelizmente, do que a crise política dos dias que correm. Boris Johnson afirmou, dramaticamente, que “se Glasgow falhar, tudo falha”. Mas Costa já nos falhou ao falhar Glasgow.

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