A palavra “saúde” tem um significado muito abrangente que varia em função de diferentes contextos e perspetivas.
Se atentarmos às notícias e às histórias de ficção verificamos que são os casos individuais que nos prendem a atenção. É fácil ficarmos indignados perante histórias individuais de assédio sexual, violência doméstica e outras situações em que a vítima é uma pessoa concreta, com nome, idade e sexo, mesmo que fictícios. Porém, já não temos a mesma sensibilidade quando somos confrontados com estatísticas genéricas sobre assédio sexual ou violência doméstica.
Este tipo de reações também se verifica quando se fala de saúde. Ficamos indignados quando uma grávida tem de percorrer 200 km para ser atendida num serviço de urgência, ou quando o INEM demora mais de 1 hora no socorro a quem teve um acidente. Apesar de ser muito improvável conhecermos as pessoas envolvidas nestas situações, é fácil imaginarmo-nos numa situação idêntica ou muito parecida.
Contudo, quando confrontados com a informação de que 10% da população portuguesa tem diabetes, ou seja, quase um milhão de portugueses, o assunto não nos merece uma especial atenção e dificilmente reagimos com indignação ou preocupação, salvo, se formos nós próprios diabéticos.
Neste artigo irei abordar a perspetiva individual por contraponto à perspetiva coletiva identificando as respetivas consequências em termos de políticas de saúde.
A perspetiva individual centra-se essencialmente na prestação de cuidados médicos, ou seja, na doença. Habitualmente é uma perspetiva de curto prazo. Já a perspetiva coletiva centra-se principalmente na prevenção e, por isso, tem um âmbito temporal de médio de longo prazo. Enquanto a primeira apela à responsabilidade individual, a segunda apela à responsabilidade coletiva.
Por contraponto à prestação de cuidados médicos — quase sempre centrada no individuo — a “saúde pública” preocupa-se e centra-se na saúde da “população”, ou seja, preocupa-se com estatísticas, números e tendências.
A finalidade da “saúde pública” é proteger todos os cidadãos de todas as ameaças que possam afetar a sua saúde, entendendo-se como saúde um estado de bem-estar físico, psíquico e social e não apenas a ausência de doença. A “saúde pública” é o conjunto de políticas, regras, recomendações, regulamentos, procedimentos, leis e costumes que governam não só as nossas atitudes e comportamentos, mas também garantem os recursos fundamentais à proteção da saúde, como sejam, a qualidade do ar que respiramos, da água que bebemos, dos alimentos que consumimos, dos automóveis que conduzimos, das casas que habitamos e muitas mais coisas que podem afetar positiva ou negativamente a nossa saúde.
O problema da “saúde pública” é que está em todo o lado, o que significa que não está em lugar nenhum.
Já a finalidade da medicina (no entendimento do cidadão comum) é resolver uma situação de doença.
Esta é uma característica muito importante para compreender porque é que a prestação de cuidados médicos é muito mais sedutora. Aliás, é este encanto da medicina que está na base do enorme desequilíbrio nas verbas que o Estado e as famílias atribuem à prestação de cuidados de saúde e à “saúde pública”.
Porque será que não valorizamos suficientemente a “saúde pública”? Certamente existem várias explicações e uma delas tem a ver com o facto de cada um de nós preocupar-se principalmente com os problemas da nossa esfera pessoal ou individual e relegarmos para segundo plano os problemas da esfera coletiva. É por isso que somos a favor da utilização dos transportes públicos, mas continuamos a utilizar o automóvel.
A pandemia por COVID 19 veio evidenciar a importância da saúde pública na proteção da saúde de todos nós. Foi a saúde pública que evitou o colapso dos serviços hospitalares, que do dia para noite se viram invadidos por milhares de pessoas infetadas pelo SARS-CoV-2 entupindo os serviços de urgência e esgotando a capacidade das unidades de cuidados intensivos. Foram medidas como a utilização de máscaras de proteção, testagem generalizada, rastreio da população infetada e confinamento que permitiram controlar a disseminação exponencial da pandemia e deste modo preservar a capacidade de resposta dos hospitais.
A pandemia foi talvez um dos raros momentos em que a “saúde pública” teve o destaque dos principais media nacionais. Durante meses assistimos a comentários diários de epidemiologistas e especialistas em saúde pública nos principais canais televisivos. Porém, no fim da história, quem ficou com os louros foram as vacinas, e a “saúde pública” foi novamente secundarizada. Porquê?
Em meu entender, por duas razões principais. A primeira é que a “saúde pública” é geralmente invisível. Ela existe e faz o seu trabalho, mas porque os media não a veem, nós também não. A segunda tem a ver com o facto de a “saúde pública” se dedicar à saúde da população como um todo e não a situações clínicas facilmente individualizadas. Já a perspetiva médica ou de prestação de cuidados de saúde é facilmente apercebida, porque na maioria dos casos conseguimos personificar a situação. É o que acontece quando diariamente somos expostos a notícias sobre os milhares de portugueses que não têm médico de família atribuído, ao fecho dos serviços de urgência por falta de médicos e muitas outras situações que nos são familiares.
Porque é que o Estado e as famílias investem tão pouco na promoção da saúde em comparação com o que gastam na prestação de cuidados? Tomando a obesidade como exemplo, quais as medidas tomadas para a combater?
O método mais eficaz de combate à obesidade é a prevenção, ou seja, atuar precocemente junto da população não obesa. É isto que vemos acontecer? Não, o que assistimos é à proliferação de programas e dietas de emagrecimento, à utilização de medicamentos para perder peso e a um sem número de falsas promessas de quem faz do combate à obesidade um negócio.
Se queremos combater a obesidade, a diabetes e outras doenças associadas a estilos de vida pouco saudáveis, parece-me mais eficaz atuar preventivamente, evitando o sedentarismo e os maus hábitos alimentares, do que intervir à posteriori procurando alterar comportamentos e hábitos adquiridos há muito tempo.
Contudo, temos de estar conscientes que atuar preventivamente é difícil. A maioria das pessoas procura o prazer acima de tudo e não está mentalmente disposta a fazer sacrifícios hoje com a promessa de benefícios futuros.