O título deste artigo é longo, apelativo e igualmente desafiante para quem tem de escrever um texto, procurando juntar estas três variáveis: o digital, a sociedade e a economia.

Esta é, na minha opinião, a última oportunidade de uma geração que, atualmente, tem o poder de decisão – falo de empresários, políticos, professores e juízes -, de deixar um país melhor aos seus filhos.

Temos esta última oportunidade, por incrível que pareça, porque existe uma pandemia e podemos usufruir de um apoio económico como nunca antes aconteceu, quer em montante, quer em tempo de disponibilização. Falo da bazuca europeia. Reparem que Portugal vai receber um pacote financeiro de 13.944 milhões de euros em subvenções, mais 2699 milhões de euros em empréstimos. Os nossos principais parceiros europeus vão receber montantes diretamente proporcionais ao valor das suas economias e é com eles que realizamos a maioria das nossas transações. Portanto, podemos ganhar todos. Só receio o mesmo de sempre, a abundância cria facilitismos e, como costumo dizer, o problema do dinheiro não é ganhá-lo, é mantê-lo, no caso, investir onde seja o mais alavancado possível, isto é, rentável.

É aqui que sofro a minha primeira desilusão, como economista, e por já ter passado por este cenário no passado, ao longo dos diversos quadros comunitários, continuo sem ver a nossa vida melhorar.

Já ultrapassei muitas crises e oportunidades, porque acreditei e dei o meu contributo para a criação de emprego e riqueza para o país. Todas foram perdidas, já não acredito na capacidade de alavancar capitais públicos, estou cansado, mas não derrotado, de acreditar e de lutar com resiliência acrescida, especialmente nestes últimos anos após Troika.

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O Plano de Recuperação e Resiliência confirma as minhas preocupações e expetativas. Falta quase tudo o que seria essencial para o desenvolvimento do meu país, desde logo, cada um dos agentes económicos executarem o que melhor sabem fazer. O setor privado investir, o Estado e a Justiça, monitorizarem, agilizarem com uma simplificação fiscal, laboral e judiciária, e a sociedade civil, todos nós, a produzir.

O que temos é, precisamente, o contrário: o Estado chama a si a gestão da maioria das verbas da bazuca. Mais de 70% não executa reformas eternamente adiadas, especialmente a reforma da administração pública, e não cria as condições para fusões e concentrações de empresas. O PRR deixa ainda de fora temas estruturantes como a economia do mar, como um vetor estratégico determinante para alavancar as potencialidades do país e para colaborar no esforço coletivo de recuperação da economia nacional. A reestruturação de toda a atividade portuária, o investimento na ferrovia com bitola europeia para levarmos as nossas exportações para o centro do “Velho Continente”, em linha com os objetivos energéticos e ambientais e também por saturação das autoestradas europeias, de acordo com a descarbonização nos transportes, proceder à mudança do modo rodoviário para o ferroviário é fundamental.

Como é possível tal cenário? Se, paradoxalmente, também é reconhecido pelo Governo, é fundamental que as empresas estejam no centro da recuperação da economia – não é uma visão liberal, ou neo-liberal -, mas deverá ser o setor privado o motor do crescimento e da criação de riqueza nacional. Para isso, é necessário que os recursos a que Portugal terá acesso a partir do corrente ano, sejam alocados para fortalecer as “boas” empresas, através de instrumentos dirigidos à sua capitalização, do estímulo a fusões e concentrações, de uma forte e decisiva aposta na formação para qualificar e requalificar os nossos recursos humanos, neste particular na literacia digital, porque negócio e digital já são sinónimos.

Um dos fatores de vulnerabilidade do tecido empresarial português é a sua grande fragmentação, que se apresenta como um forte handicap, tanto em termos de capacidade de inovação, como de internacionalização e competitividade nos mercados globais. Reparem que existem 1,2 milhões de microempresas em Portugal, isto é, com menos de 10 trabalhadores. É essencial ativar mecanismos financeiros e fiscais que favoreçam um movimento de fusões e aquisições de empresas, já que o processo de crescimento orgânico exige demasiado tempo, algo que não dispomos se quisermos aproveitar oportunidades que a reorganização das cadeias de valor globais nos proporciona. Como sabemos, existe a natural resistência dos empresários, que preferem possuir 100% de algo que vale 10 em vez de 10% de algo que pode valer mil. Mas isso é cultural e demonstra-se facilmente que com dimensão todos ganham mais.

O PRR é uma componente de resposta essencial para a concretização da Estratégia Portugal 2030, no contexto pós-pandémico em Portugal, a par da coerência com a utilização de outros instrumentos, como serão, entre outros, os fundos da política de coesão. A mobilização de recursos de vários instrumentos de financiamento, numa lógica de complementaridade, permite alavancar os seus efeitos, devendo assegurar-se a inexistência de intervenções contraproducentes, sobrepostas, em profunda e permanente concertação e diálogo com os parceiros sociais no processo de conceção e implementação da estratégia de recuperação económica e social de Portugal. Isso inclui o envolvimento dos parceiros sociais e da sociedade civil na definição das prioridades e no plano de desenvolvimento do país.

Em conclusão, para termos a esperança em deixarmos um Portugal melhor para os nossos descendentes e obter os resultados desejados, temos de criar condições de enquadramento empresarial, designadamente ao nível regulatório, burocrático e fiscal, que são os parâmetros essenciais para o aumento da produtividade da nossa economia. Isto passa por reformas que não vão implicar grandes gastos ou investimentos públicos, antes determinação e vontade políticas e um alinhamento com a sociedade civil, parceiros sociais, sem esquecer de envolver os jovens neste processo. Se o Portugal que queremos desenvolver é para eles viverem, então têm naturalmente de ser ouvidos, pois o mundo deles é, com certeza, diferente do nosso.