Muitos analistas (quase todos, de facto) disseram que a Rússia iria esmagar a Ucrânia militarmente em muito pouco tempo. Se olharmos para os números, vemos realmente uma superioridade enorme em carros de combate, aviões, soldados, enfim, em tudo. Em números redondos, a Rússia tem cerca de dez vezes mais equipamento do que a Ucrânia e quatro vezes mais soldados. Como é que então pode a Rússia perder? É que estes números são muito, mas não são tudo.

1. Os russos têm 900 mil soldados, mas só deslocaram cerca de 180 mil. Para ocupar um território maior do que a França e com mais de 40 milhões de habitantes é pouco. A Alemanha nazi, quando invadiu a França em 1940 (que tinha a mesma população que a actual Ucrânia) empregou 3 milhões de soldados. Os russos invadiram com menos soldados do que os que a Ucrânia tem. Depois vão mandar mais soldados? Os russos só empregaram uma parte do seu material. Talvez porque não podem deixar o resto do país vazio de militares e porque deslocar o equipamento e mantê-lo no teatro de guerra tem custos.
2. A invasão foi feita em várias frentes em simultâneo, dividindo forças e poder militar por milhares de quilómetros. Quem quer apertar o mundo inteiro, aperta com pouca força.
3. Mais de vinte dias de conflito e a Rússia ainda não tem o domínio do espaço aéreo. Como é possível, se têm dez vezes mais aviões e helicópteros? Deviam ter este domínio em dois dias! No entanto, ainda há aviões ucranianos a voar! Acontece que os ucranianos têm sabido usar as defesas antiaéreas com eficácia consumada, e estão equipados com mísseis americanos sting, transportáveis por uma só pessoa e que dificilmente falham um alvo.
4. Algo semelhante acontece com os carros de combate. Os ucranianos têm mísseis javelin que atingem um tanque a 4 km. E não falham o alvo. De que adianta os russos terem milhares de carros de combate, se os ucranianos têm milhares de mísseis eficazes em destruí-los?
5. Os russos não estavam preparados para uma guerra longa. Imaginavam que numa semana estaria tudo resolvido, que entrariam no resto da Ucrânia como entraram na Crimeia, e que todos fugiriam ao grito de “os russos vêm aí”. Sustentar 180 mil soldados e abastecer o seu equipamento, num ambiente de guerra aberta, durante muitos dias, não é fácil, e os russos falharam completamente nesta logística. Os ucranianos não lhes facilitaram a vida, atacando os abastecimentos com eficácia. Imaginemos que aqueles 180 mil soldados entraram com rações para cinco dias, cada um. Já passaram mais de vinte. Há relatos de soldados russos a roubar galinhas.
6. Os custos económicos disto tudo são gigantescos. Os recursos da Rússia são finitos, e mais finitos ainda depois das sanções económicas. A duração prolongada do conflito significa que vão começar a faltar os meios para sustentar a guerra. A guerra já colapsou a economia russa. Cada dia que passa afunda mais. Os russos têm uma enorme urgência em acabar o conflito, e já perceberam que foi um erro imenso terem começado.
7. A moral ainda é um factor nas guerras. A história está cheia de casos em que forças incomparavelmente superiores foram derrotadas por gente com mais ânimo e melhor estratégia. As falhas logísticas russas, provavelmente motivadas por não esperarem uma guerra prolongada e difícil, fazem desanimar as suas tropas, quando veem que não chega a comida, ou o combustível ou as munições que precisam para se defender. Os ucranianos têm um líder que soube motivar o seu povo de uma forma brilhante. O Putin nunca, jamais, conseguirá motivar assim os russos.