Setembro. O que até este ano era um mês de regressos (empregos, escolas, rotinas) é agora um mês de incertezas. Navegamos por setembro adentro com a clareza de uma carregada bruma e a lucidez de uma manifesta obnubilação. Não sabemos, nem conseguimos antecipar, o que poderá estar para vir e os respetivos efeitos e impactos.

Esta situação já é, per si, singular e inquietante para qualquer pessoa. Agora, ponhamo-nos na pele um gestor que tem nas suas mãos o seu destino, da sua família, empresa que lidera, dos trabalhadores desta e, eventualmente, de alguns dos seus parceiros comerciais. É neste contexto que as políticas públicas relevam e que, mais do que nunca, o papel do Estado se pode revelar determinante no (in)sucesso de muitas empresas e de todos os que gravitam à volta das mesmas.

Ora, ao longo dos últimos meses assistimos ao lançamento enérgico de uma panóplia de medidas destinadas a apoiar o emprego e as empresas, de entre as quais, medidas de cariz laboral (e.g. o vulgo “layoff simplificado”), fiscal (e.g. diferimento das contribuições sociais e impostos ao Estado) e/ou financeiro (e.g. linhas de seguro de créditos).

A oportunidade e necessidade destas medidas no combate aos efeitos causados pelo contexto epidémico da Covid-19 é, dir-se-á, quase que insofismável. Substancialmente diferente é a discussão sobre a aptidão e suficiência das mesmas para o emprego e as empresas, sobre as quais já temos diferentes reservas.

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Chegados a este ponto cumpre verificar se, de uma perspetiva de recursos humanos (na maioria das situações, o maior encargo financeiro fixo para qualquer empresa), o Estado está a conceder às empresas e seus decisores os mecanismos necessários e suficientes para que estas possam dar resposta célere e assertiva ao diferentes cenários económico-financeiros que se venham a colocar.

Tendo por referência as principais medidas extraordinárias atualmente em vigor – a saber, o apoio extraordinário à manutenção do contrato de trabalho, o apoio extraordinário à retoma progressiva em empresas em situação de crise empresarial e o incentivo extraordinário à normalização da atividade empresarial – resulta que as mesmas, quer pelo espectro residual de aplicação, quer pelas restrições que determinam para as empresas (nomeadamente, à cessação de contratos de trabalho) quer ainda pelo facto de as empresas terem já recorrido às mesmas, não se vislumbram como verdadeiras soluções para o futuro, mas tão-somente como um paliativo.

Se, por outro lado, tivermos por referência o regime previsto no Código do Trabalho, também constatamos que grande parte das soluções legais disponíveis (que não o caminho da cessação de contratos de trabalho ou do layoff tradicional) necessitam de acordo prévio do trabalhador – como por exemplo, a passagem de regime de trabalho a tempo completo para parcial, a mudança de trabalhador para categoria inferior ou a instituição de bancos de horas grupais – o que, como se pode antecipar, será difícil de obter (tanto mais, neste contexto).

Resulta, assim, evidente que as empresas não dispõem atualmente de mecanismos rápidos e eficientes que lhes permitam dar resposta a eventuais (mas, sejamos francos, totalmente expectáveis) situações de abrandamento da economia durante os próximos meses. No caso em concreto das empresas que operam nos sectores do turismo e da restauração os mecanismos de resposta são já de uma urgência imperiosa.

Os mecanismos a ponderar e adotar devem ser transversais a diferentes áreas, avançando-se, entre outros, a eliminação temporária das quotas previstas para as situações de celebração de acordos de revogação com fundamento em motivo que permita o despedimento coletivo ou extinção de posto de trabalho (nas quais é concedido o acesso ao subsídio de desemprego), a flexibilização do regime da contratação a termo e/ou o alargamento das situações que dão direito à isenção temporária do pagamento de contribuições para a Segurança Social a cargo das entidades empregadores e trabalhadores.

Os efeitos para a economia de uma eventual segunda vaga (cujo dramatismo é tão palpável que se escusam aqui de apresentar) conduzem-nos à constatação lapidar que o Governo não pode “esperar para ver” para depois reagir, como sucedeu em março deste ano. Sendo as medidas atualmente existentes insuficientes para acolher os efeitos de uma segunda vaga, o que se espera é que exista um comportamento preventivo por parte do Governo com a prolação de novas medidas que representem um verdadeiro suporte para as empresas e tragam a certeza e segurança possíveis.

Setembro. Pode não representar o regresso que gostaríamos, mas tem de representar o regresso que precisamos para enfrentar tempos tão incertos como os que se avizinham.

Advogado, Sócio da Costa Pinto Advogados