Quando as notícias são resumidas a caricaturas simplistas, estamos mais perto dos fenómenos que tanto criticamos nas redes sociais, do que do exercício do que deveria ser o jornalismo.

É também certo que a utilização da caricatura é ela própria um exercício de poder e que muitos agentes políticos o fazem com parcimónia perante aqueles que sentem como uma ameaça.

Nos últimos meses tem sido notória a relação direta entre períodos de maior intervenção coletiva organizada de profissionais de algum setor e a caricatura da intervenção sindical associada no epitoma “os sindicalistas”.

Foi mais visível aquando da contestação dos enfermeiros e dos professores do ensino básico e secundário, mas atravessou também outras profissões.

Nos últimos meses podemos também verificar a diferença da cobertura de ações de contestação, sobretudo no célebre 21 de dezembro e a atenção mediática que foi dada aos pretensos coletes amarelos portugueses.

Não deixa de ser curioso que o 21 de dezembro tenha desenhado uma caricatura em si mesma, quer de decisões editoriais de diversos órgãos de comunicação, quer da realidade do chamado “movimento inorgânico de protesto”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A confusão ideológica que atravessa estas várias caricaturas, passa também pela confusão de membros de ordens profissionais que agem como sindicalistas e sindicalistas que possuem coberturas dignas de ordens profissionais.

A este propósito desafio a verificarem, por exemplo, o número de vezes que as e os presidentes da Associação Sindical de Juízes são referidos como sindicalistas (sendo que o são, de facto, e com a realidade de greves e outras ações e contestação organizada).

Por serem associações de trabalhadores, as questões profissionais estão na base da ação de toda e qualquer associação sindical.

Claro que, onde existem pessoas organizadas existe uma base de poder, razão pela qual não há partido político que não procure ter relação com organizações coletivas, sendo que um partido em si é uma associação.

A capacidade de organização coletiva é elemento fundamental da liberdade de associação, a qual se encontra protegida constitucionalmente em qualquer democracia.

As associações sindicais são organizações de livre associação. Nela coexistem pessoas com ideias e percursos diversos e que possuem ideologias diferentes, à qual a adesão é facultativa.

É falso que se tratem unicamente, ou maioritariamente de pessoas que apenas sejam do contra, ou que afirmem apenas uma negatividade, ou que sejam apenas deste ou daquele partido.

São sobretudo pessoas que abdicaram do seu tempo para um exercício voluntário de causas profissionais várias. Procuram que o exercício da sua profissão possa ter o reconhecimento e as condições necessárias, sendo que o fazem com projetos e propostas concretas.

É tão correto falar de interesses pessoais dos “sindicalistas”, como o é dos “jornalistas”, dos “políticos”, ou de qualquer outra realidade que se reúna nestes epitomas, que geralmente têm mais de populismo e demagogia do que de democracia.

Quem se dedica a estas causas possui graves prejuízos pessoais e familiares, sendo que, na generalidade, não são remunerados (só há cedência por interesse público nas federações, uniões, ou confederações sindicais).

Há um óbvio sacrifício da liberdade individual para que se possa conseguir o melhor a partir de uma ação coletiva. Esse é o próprio sentido da democracia, incluindo da democracia representativa.

Os processos de deliberação não são fáceis, mas a representatividade resulta diretamente da qualidade desses processos. As associações de trabalhadores são o espelho da nossa participação nelas.

Num tempo em a liberdade está em causa, é bom que na sociedade portuguesa possamos refletir um pouco mais sobre a realidade do sindicalismo como associativismo.

Há sinais que demonstram que existe espaço para esse diálogo, que se estabelece intergeracionalmente e que permitiu a vários países avanços consideráveis. Cabe a todos a responsabilidade para abrirmos este caminho.

Presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior