A magna carta é considerada um dos mais importantes documentos constitucionais de todos os tempos, em que estabelece o fundamento da liberdade do indivíduo perante a autoridade arbitrária do soberano déspota. A magna carta inspirou a constituição da generalidade das democracias representativas, que estabelecem um contrato social consagrando direitos fundamentais dos indivíduos, limitando o poder arbitrário do Estado e atribuindo a função de agência ao governo através do voto.

Nesse contrato social da democracia, o poder soberano passa a ser da população, não do rei, nem do presidente, nem do primeiro-ministro, nem do Estado, nem do governo. Numa democracia, o soberano – isto é, a população – escolhe através do voto quais as forças políticas que constituirão governo para agir em seu nome.

Em teoria, Portugal funciona assim. Na prática, nota-se uma mudança de fundo concretizada com o consentimento da população. Não está – ainda – em causa o sistema representativo através do voto. O que está em causa é a natureza do contrato social. Em vez de agente em nome da população, o governo age como soberano déspota, atropelando a constituição e a decência em casos sucessivos no ensino, na justiça, na saúde, na segurança, na liberdade de expressão. A julgar pelas sondagens, a população já aceitou esse comportamento despótico.

Porquê?

A resposta está em algo que na realidade não mudou desde há muitos séculos na história do País: a maioria das pessoas tem uma mentalidade de súbdito!

Esta mentalidade é independente do sistema de governo, quer seja monárquico absoluto, monárquico parlamentar, autocrático ou democrático. Por causa desta mentalidade, a maior parte das pessoas espera que o governo resolva os seus problemas, está dependente de subsídios, tem pouca iniciativa. Em consequência, há vários séculos que a riqueza do País vem de fora (pimenta da Índia, ouro do Brasil, subsídios da Europa), em vez de ser gerada endogenamente. Felizmente tem havido algumas excepções protagonizadas por pessoas sem mentalidade de súbdito.

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Os brandos costumes da população portuguesa radicam na mentalidade de súbdito: “o soberano há de resolver, por isso deixa andar”.

É também na mentalidade de súbdito que radica a inveja, um dos traços característicos mais fortes da população portuguesa, que leva a nivelar por baixo. É impossível fugir ao nivelamento por baixo quando se pretende a igualdade de resultados (a essência do socialismo), em vez da igualdade de oportunidades (a essência da liberdade). As forças políticas em Portugal compreendem isto há muito tempo e agem em consonância, tanto no governo como na oposição.

É difícil desatar este nó. A maioria da população tem mentalidade de súbdito e considera que o governo deve ser soberano déspota. Como os representantes políticos são parte da população, acham normal agir como soberano déspota quando estão em funções governativas. O mesmo se passa com muitos empregados do Estado, só quem nunca lidou com os serviços públicos é que não sabe a arbitrariedade a que está sujeito por parte de muitos pequenos déspotas.

Para desatar este nó é preciso uma mudança de mentalidade. Em vez de súbdito, cada pessoa deve agir com mentalidade de soberano (a essência da democracia representativa).

O primeiro passo é tomar consciência da nossa mentalidade, por isso convido-o a responder a estas questões:

·       O governo (a) deve servir os diversos interesses da população ou (b) deve procurar o bem comum?

·       O governo (a) deve distribuir dinheiro em função dos interesses das corporações que fazem pressão mediática e política ou (b) deve definir regras gerais para o funcionamento da sociedade?

·       O governo (a) deve cobrar impostos elevados para dinamizar actividades económicas que considera prioritárias ou (b) deve cobrar impostos baixos deixando que as pessoas e as empresas decidam que actividades económicas querem desenvolver?

·       Em questões estruturais da sociedade, o governo (a) deve ouvir a população ou (b) deve decidir autonomamente em função da composição do parlamento?

·       O governo (a) deve dar subsídios aos meios de comunicação ou (b) deve promover a livre concorrência entre eles?

·       O governo (a) deve nomear os magistrados para os vários cargos da justiça ou (b) deve deixar que os agentes da justiça se organizem?

·       O governo deve cobrar impostos (a) para ter o exclusivo do ensino ou (b) para financiar o acesso ao ensino podendo as escolas ser públicas, privadas ou sociais?

·       O governo deve cobrar impostos (a) para prestar cuidados de saúde em exclusivo ou (b) para financiar o acesso à saúde podendo os prestadores ser públicos, privados ou sociais?

·       O governo deve cobrar impostos (a) para prestar assistência social em exclusivo aos mais desfavorecidos ou (b) para financiar o acesso à assistência social podendo as entidades assistenciais ser públicas, privadas ou sociais?

·       Em situações de emergência, o governo e o parlamento devem legislar (a) em função da agenda mediática ou (b) em função do bem comum (por exemplo na pandemia actual, em função da doença subjacente ou em função de todos os problemas de saúde da população)?

·       Nas eleições, tem por hábito (a) não votar ou (b) votar?

Se respondeu (a) a alguma das perguntas acima, tem traços marcantes da mentalidade de súbdito. Nesse caso tem três opções:

1.     Continuar com mentalidade de súbdito. Também é possível ser feliz submetendo-se aos arbítrios “superiores”, na prática é viver na condição de servo.

2.     Considerar que este questionário está enviesado e ignorar a conclusão. É costume dizer-se que o pior cego é o que não quer ver. Saiba que é um dos responsáveis pela adulteração do contrato social e por todo o mal que isso já causou e ainda vai causar.

3.     Tomar consciência de que deve passar a agir como soberano, pelo seu bem, pelo bem dos seus descendentes e pelo bem da sociedade em que vive.

Se decidiu seguir esta terceira opção ou se respondeu (b) a todas as questões, parabéns, pode contribuir para a mudança de mentalidade divulgando este ponto de vista.

Uma pessoa com mentalidade de soberano vota em forças políticas que se comprometem a tratar as pessoas como adultos e sem paternalismo. Uma pessoa com mentalidade de súbdito não vota em ninguém ou vota em forças políticas que prometem tudo o que as clientelas querem, mesmo sabendo que isso não é possível ou que vai provocar o aumento do endividamento do Estado e piores condições futuras para si, para os seus descendentes e para a comunidade.

Uma pessoa com mentalidade de soberano é exigente com a actuação do governo, torna pública a sua opinião e intervém cívicamente. Uma pessoa com mentalidade de súbdito aceita tudo o que o governo decide (porque o considera soberano), denuncia quando acha que alguém não cumpre, tolera a corrupção dos governantes e não escrutina a acção do governo.

O contrato social da democracia não funciona bem sem escrutínio. Há poucos anos um governo tentou controlar os meios de comunicação perseguindo e ameaçando diversos jornalistas e dirigentes. O governo actual conseguiu fazê-lo dando-lhes subsídios, o que foi eficaz para evitar críticas. Quando Portugal esteve vários dias em Janeiro como recordista mundial de mortes covid-19 por milhão de habitantes, poucas críticas se ouviram, muitas pessoas com mentalidade de súbdito exigiram que não se falasse do assunto e até houve um sabujo a dizer que o governo de Portugal seria o melhor do mundo a gerir a terceira vaga. Houve muitos outros casos de sabujice, mas talvez o mais patético tenha sido o da deputada que disse ufanamente no verão de 2020 que o vírus deparou em Portugal com um governo competente. Seria hilariante se não tivessem morrido tantas pessoas desnecessariamente.

Mudar de mentalidade é difícil quando os sistemas de ensino, de justiça e de administração do Estado estão dominados por forças políticas que consideram a população como sua súbdita. Mas não é impossível, desde que cada um faça a sua parte.

Prefere ter mentalidade de soberano ou de súbdito?