1 Dizem os noticiários que terá lugar esta semana a visita do ditador comunista chinês Xi Jinping ao ditador comunista russo Vladimir Putin. Vamos ver, como se costuma dizer, em que é que esse encontro entre ditadores vai resultar.

Mas terá de ser referido desde já que o ditador chinês tem apregoado como distintivo da sua política externa — por alegado contraste com a política externa ocidental, ou do que ele designa por “anglo-saxões” — a chamada “não interferência” nos assuntos internos dos outros países. Gostaria de recordar tranquilamente — o que certamente não me seria permitido fazer se estivesse a viver sob a ditadura comunista chinesa ou sob a ditadura comunista russa — que a Rússia do sr. Putin invadiu a Ucrânia. Talvez os comunistas não compreendam que uma invasão violenta, mesmo quando perpetrada por comunistas, é a forma extrema de interferência nos assuntos internos dos outros países.

2 A visita do ditador comunista chinês à Rússia vai ocorrer na sequência do muito badalado “acordo histórico” entre o Irão e a Arábia Saudita — muito badaladamente promovido pelos comunistas chineses. Mas vai ocorrer também poucos dias após o Tribunal Penal Internacional ter emitido um mandato de detenção contra Vladimir Putin por suspeitas de crimes de guerra associados à deportação ilegal de crianças da Ucrânia para a Rússia.

3 Entretanto, no Ocidente, assistimos ao eclodir de mais uma crise bancária de grandes proporções e de consequências ainda imprevisíveis.

Em França, manifestações e greves, por vezes violentas, paralisam o país devido à “terrível” alteração da idade de reforma — de 62 para 64 anos. Dois partidos radicais — um à esquerda, liderado pelo sr. Mélechon, outro à direita, liderado pela sra. Le Pen — convergem abertamente no apoio e incentivo aos distúrbios.

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Por outro lado, nos EUA, o sr. Ron DeSantis, governador da Florida e potencial candidato republicano às eleições presidenciais, declara publicamente que a invasão da Ucrânia pela Rússia é um mero “conflito territorial” que não constitui um “vital interesse nacional” da América.

4 Perante esta sucessão de ameaças ao Ocidente e de desorientação por parte do Ocidente, vale a pena recordar dois livros recentes que felizmente têm sido amplamente discutidos pela melhor imprensa internacional.

Em The Crisis of Democratic Capitalism (Allen Lane, 2023), Martin Wolf recorda que a consolidação do capitalismo democrático no Ocidente depois da II Guerra foi em grande parte resultado da comum percepção — ao centro-direita e ao centro-esquerda — da ameaça comunista soviética contra a democracia que dominou a chamada Guerra Fria. Por outras palavras, a Guerra Fria contra o imperialismo soviético e a percepção da ameaça de um possível final violento da democracia proporcionaram no Ocidente um clima de responsabilidade que permitiu o fortalecimento do capitalismo democrático — fundado numa concorrência e alternância civilizadas entre centro-direita e centro-esquerda.

Curiosamente, um argumento muito semelhante é apresentado por Timothy Garton Ash no seu livro Homelands: A Personal History of Europe (The Bodley Head, 2023), que aqui referi brevemente há duas semanas. Também ele recorda a hubris que subitamente começou a dominar o Ocidente após a queda do Muro de Berlim: a democracia liberal do Ocidente parecia então invencível e essa percepção triunfalista gradualmente enfraqueceu o sentido de responsabilidade para com a defesa da democracia — quer no plano externo, quer no plano interno.

Entre nós, Miguel Monjardino apresenta também um argumento semelhante num livro que também já aqui citei, e cuja publicação foi aliás anterior aos de Wolf e Garton Ash. Em Por Onde Irá A História: O desequilíbrio do sistema internacional e o futuro da geopolítica (Clube do Autor, 2023), Miguel recorda que “uma das nossas ilusões desde o final da Guerra Fria em 1989 e o colapso da União Soviética em 1991 foi acreditar que o futuro das democracias liberais estava assegurado e que a rivalidade entre as grandes potências era mesmo uma coisa do passado.”

5 Num artigo publicado ontem, domingo 19 de Março, no Telegraph de Londres, Brendan Simms e Charlie Laderman (autores do livro Hitler’s American Gamble: Pearl Harbor & the German March to Global War, Penguin, 2021) alertam, em tom bastante sombrio, para a ameaça de uma possível aliança entre a Rússia e a China — estabelecendo um sombrio paralelo com a aliança entre a Alemanha nazi e o Japão em 1941. Concluem que “uma guerra global está longe de ser inevitável. Mas só poderemos evitá-la se fornecermos uma dissuasão credível.”

Curiosamente, quer The Telegraph, quer o Financial Times, quer The Economist saudaram o recente acordo de defesa entre a Austrália, o Reino Unido e os EUA, o chamado AUKUS, como expressão de uma política de dissuasão na região do Indo-Pacífico. Aqueles jornais saúdam também a recente aproximação entre a França e o Reino Unido quanto à questão dos imigrantes clandestinos no Canal da Mancha, bem como entre a União Europeia e o Reino Unido sobre a questão do comércio com a Irlanda do Norte. Haja esperança.