1. A demografia farmacêutica mudou, e mudou muito, ao longo das últimas quatro décadas, quanto ao número de profissionais (cerca de quinze mil, atualmente), quanto à distribuição etária (um rejuvenescimento assinalável) e quanto ao espectro definidor das suas atividades profissionais. Também o sistema português de saúde, e em particular a sua componente pública, o Serviço Nacional de Saúde (SNS), para além de compaginar necessidades de novas e urgentes matrizes organizacionais, funcionais e de governação, apresenta hoje uma geografia política e económica totalmente diversa daquela que tinha sido a sua linha de base. De permeio, emergiram e afirmaram-se novas profissões, em par com diferentes protagonismos de profissões já existentes, cresceu e afirmou-se significativamente a oferta empresarial privada, despovoou-se o interior do país com inversão acentuada da pirâmide etária, foram criadas novas formas de regulação (avaliação de tecnologias de saúde, por exemplo) e a malha de acesso, tal como o tecido económico, dos medicamentos, reconfiguraram-se profundamente.
  2. No mesmo período, o modelo da formação superior universitária dos farmacêuticos manteve-se inalterado, sendo a ausência de ensino clínico um quadro que preserva o imobilismo e castra quer a afirmação, quer o reconhecimento interpares, dos futuros profissionais no sistema de saúde. Ainda que a produção científica dos farmacêuticos, particularmente os académicos, tenha disparado quantitativa e qualitativamente, não são detetáveis os seus impactos, nem mesurável a sua incorporação, nos atos profissionais dos farmacêuticos nos cuidados de saúde.
  3. As antecipáveis consequências dos futuramente previstos, pela União Europeia, preceitos legais de auto-regulação profissional, com diferentes configurações da composição, das competências delegadas pelo Estado e da governação das ordens profissionais, remete os farmacêuticos para cenários de convivialidade interprofissional na filiação e no desempenho dos atos.
  4. O mundo deixou de ser nacional. Não existem, por isso, políticas farmacêuticas estritamente locais, nem medicamentos exclusivamente autóctones. Toda a cadeia de valor do medicamento assenta em economias de escala e em constrangimentos financeiros das terceiras entidades pagadoras, com naturais impactos nos sistemas reguladores e no estatuto remuneratório das farmácias, dos laboratórios de análises clínicas e dos farmacêuticos.
  5. Os efeitos e as consequências da pandemia pelo SARS-Cov2 não são, ao momento, totalmente previsíveis. Seguramente que a Covid-19 apadrinha, nos sistemas de saúde, mudanças estruturais não programadas, comportamentos sociais não expectáveis e reconversões económicas profundas, à escala planetária. Num mundo desigual, desequilibrado e inseguro (de entre muitos outros, os fenómenos migratórios são disso exemplo), o recurso progressivo à tecnologia, designadamente digital, fará o seu caminho, numa relação de substituição dos modelos tradicionais de provisão de utilidades, onde se inclui o elemento humano.
  6. A “Covid longa” poderá ser uma realidade sem que se possa construir a sua biografia completa, o que inclui a probabilidade não quantificável da eclosão de pandemias de outras etiologias.
  7. É num quadro multivariado e complexo que irão decorrer as eleições para os órgãos sociais da Ordem dos Farmacêuticos, Bastonário incluído. Será desejável que as agendas eleitorais dos candidatos incluam e reflitam, para além da memória histórica, as mudanças profundas, passadas e em curso, e o que, decorrente dessas mudanças, se espera para os sócios da ordem. É isto que está em causa no dia 5 de fevereiro de 2022.
  8. Pensar e tornar exequível um contrato social e profissional da profissão farmacêutica e da natureza do seu exercício, nomeadamente das competências e das responsabilidades no sistema português de saúde e no SNS, tendo em vista que já não existem espaços reservados nem liturgias exclusivas, seria uma boa base de começo. Permitiria a discussão de linhas de pensamento e o delineamento de opções estratégicas a sufragar nas urnas.
  9. O posicionamento profissional dos farmacêuticos na sociedade e no sistema de saúde não pode mais ser alinhado por perspetivas unilaterais e visões miríficas de realidades passadas, nem determinado por resultados eleitorais que não resultaram de rigorosos diagnósticos de situação e solidamente fundamentadas respostas terapêuticas, antes resultando de acantonamentos ditados por afinidades e cumplicidades pessoais, sindicatos de voto, ou arregimentação de votantes através de “sound bites” amplificados pelas designadas redes sociais. Se assim for, outros virão a decidir pelos farmacêuticos, como tantas vezes aconteceu no passado. Se assim for, o futuro será o do INFARMED no seu caminho para a cidade do Porto.

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