É discutível saber quem foi o vencedor das últimas eleições autárquicas, mas não há dúvidas sobre quem as perdeu: as sondagens.

Foi sobretudo em Lisboa que as sondagens mais falharam. A uma semana das eleições, publicava-se a seguinte: “Sondagem: Medina sucede a Medina em Lisboa, sem maioria absoluta e com direita reforçada” (Público, 22-9-2021). Não satisfeito com a putativa derrota eleitoral do candidato do PSD, o mesmo jornal insistia na esperada (e, eventualmente, desejada) derrota do actual presidente da Câmara Municipal de Lisboa: “Carlos Moedas fica aquém do resultado obtido pelo CDS e PSD há quatro anos.” Mais um prognóstico porventura querido, mas falhado porque, se assim tivesse sido, não teria ganho a presidência da CML.

Na semana seguinte às eleições autárquicas, o Expresso de 27-9-2021 dava conta de uma evidência: “Nenhuma sondagem pré-eleitoral adivinhou a vitória de Carlos Moedas, nem sequer um empate técnico entre os dois candidatos a presidente da câmara”. Melhor teria sido que os adivinhos em matéria de eleições, em vez de arriscarem palpites sobre os resultados, fizessem sua a prudente atitude do jogador de futebol que, inquirido sobre um desafio a disputar, cautelosamente afirmou: ‘Prognósticos, só no fim do jogo!’

Ainda bem que os eleitores não se deixam levar pelas sondagens que, como agora se viu, não são inocentes, nem fidedignas. Agora?! A bem dizer, as sondagens falham desde quando, há dois mil anos, se fez uma consulta popular em Cesareia de Filipe.

Refere o evangelista São Mateus que, “tendo chegado à região de Cesareia de Filipe, Jesus interrogou os seus discípulos, dizendo: ‘Quem dizem os homens que é o Filho do homem?’” (Mt 16, 13). Portanto, pode-se dizer que Cristo, ao pedir aos seus discípulos que averiguassem o que a multidão pensava dele, foi a primeira personalidade que encomendou uma sondagem à opinião pública!

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Os apóstolos estavam, habitualmente, em contacto com as gentes que se encontravam com Cristo. Assim aconteceu quando, surpreendentemente, com apenas cinco pães e dois peixes, cerca de dez mil pessoas esfomeadas se alimentaram até ficarem saciadas (cf Mt 15, 32-38). Foram os discípulos que distribuíram os pães e peixes milagrosamente multiplicados por Jesus e, depois, recolheram doze cestos “cheios dos bocados que sobejaram”. Ao fazê-lo, decerto ouviram os comentários daqueles homens, mulheres e crianças. Embora o Mestre, ao protagonizar algum facto extraordinário, procurasse a máxima discrição, indo por vezes para fora das povoações, estes milagres mais espectaculares não podiam ser ignorados pelas multidões.

Sobre Jesus de Nazaré havia então, como agora, duas posições opostas: a dos que crêem que é Deus e a dos que afirmam que é um demónio. Com efeito, todos os cristãos afirmam, como Simão Pedro, que Jesus “é o Cristo, o Filho de Deus vivo” (Mt 16, 16). No extremo oposto, os fariseus de ontem e de hoje, afirmam o contrário, ou seja, que era pelo príncipe dos demónios que Jesus expulsava os demónios (Mt 12, 24; Lc 11, 15-26; etc.). Entre estes dois extremos, situa-se a resposta à sondagem em Cesareia de Filipe: “uns dizem que (Cristo) é João Baptista, outros que é Elias, outros que é Jeremias ou algum dos profetas” (Mt 16, 14).

Na verdade, a posição intermédia, como era a dos que consideram Jesus como um profeta, é equidistante da cristã, que o considera Deus, e da farisaica, que o identifica com o demónio. A afirmação de que Cristo é um profeta, como João Baptista, Elias ou Jeremias, não só era, há dois mil anos, a mais consensual, como parece ser, também agora, a mais razoável. Se hoje se fizesse uma sondagem à opinião pública sobre Jesus de Nazaré, é muito provável que o resultado fosse o obtido, há dois mil anos, em Cesareia de Filipe.

Contudo, a hipótese de Jesus de Nazaré ser um homem justo, um santo ou um profeta, apesar de parecer ser a resposta mais razoável à pergunta sobre a sua identidade, não é racionalmente possível. Com efeito, a alternativa existe apenas em relação às restantes duas hipóteses: Jesus Cristo é Deus ou, então, o demónio.

Porquê?! Por uma razão muito simples e absolutamente decisiva: Jesus de Nazaré disse, inúmeras vezes, que é Deus. Disse-o nas primeiras palavras que dele se conhecem quando, com doze anos apenas, se intitulou filho de Deus. Ora, qualquer filho é da mesma natureza do seu pai: ao dizer-se filho de Deus e não de José, Jesus estava a afirmar a sua natureza divina. Como tal foi entendido pelos seus contemporâneos e, por isso, as autoridades religiosas da altura o condenaram à morte, por blasfémia. Ele disse também, claramente, que era o Messias e igual ao Pai, porque ele e Deus são um só. Permitiu-se promulgar um novo mandamento da Lei de Deus, prerrogativa exclusivamente divina. Deixou-se adorar pelos seus discípulos, momentos antes de ascender aos Céus.

Nenhum profeta, homem justo ou santo, fez alguma vez tais afirmações ou se deixou adorar e, por isso, Jesus de Nazaré, decididamente, não pode ser equiparado a João Baptista, Elias, Jeremias ou algum dos profetas: a sondagem, em Cesareia de Filipe, falhou redondamente! São Paulo, por exemplo, não deixou que fosse oferecido um sacrifício em sua honra, por entender, com toda a razão, que uma tal homenagem seria um acto idolátrico (cf. At 12, 11-18; 28, 6). Quando São João quis prostrar-se diante do anjo que lhe revelara o que escreveu no Apocalipse, este ser angélico não consentiu, porque também ele é uma criatura e só Deus pode ser adorado (cf. Ap 22, 8-9). Logo, se Cristo permitiu a adoração que lhe foi prestada pelos seus discípulos, ou é verdadeiramente Deus, ou não e, neste caso, seria um falsário e um mentiroso, ou seja, como o demónio, que “é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8, 44).

Dois mil anos depois de ter andado pela terra, Jesus de Nazaré só pode ser adorado ou odiado. Enquanto alguns, não obstante a sublimidade da sua vida e ensinamentos, bem como os seus prodigiosos sinais, insistem em fazer coro com a multidão que pediu a sua crucifixão, outros muitos, rendidos ante a evidência da sua divindade, caem prostrados a seus pés, fazendo sua a profissão de fé do apóstolo incrédulo: “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20, 28).