Todos sabemos o bem que sabe sonhar. À noite e acordados.
A possibilidade de viajarmos para dentro de nós tem algo de mágico e fascinante. Sem precisarmos de sair do lugar, basta-nos fechar os olhos e deixarmo-nos ir para paisagens íntimas e visitar os nossos lugares interiores, onde guardamos os nossos desejos mais profundos.
O mundo dos sonhos fascina místicos, filósofos, artistas e cientistas desde os primórdios dos tempos. É o melhor presente para os psicanalistas.
Os sonhos seduzem-nos porque, de certa forma, fazem-nos mergulhar numa outra dimensão de nós. Podemos ser tantos outros sendo nós mesmos! Escondendo-nos num mundo só nosso, revelamo-nos a nós mesmos. Afinal, os sonhos são o grande ecrã onde é projetado tudo o que se passa no nosso teatro interno. São a manifestação indireta dos nossos desejos mais inconscientes, os tradutores de nossas angústias, os puzzles das nossas memórias.
Todas as pessoas sonham, pois Morfeu, o Deus do sonho, encarrega-se de a todos os Homens tocar com as suas asas e os fazer dormir para sonharem. Quem diz que não sonha, engana-se: apenas se esquece com mais facilidade do que sonhou.
Se neste contexto atual difícil, o nosso sono pode ser perturbado por insónias e/ou pesadelos, devemos ousar continuar a mergulhar no sono na expectativa de bem sonhar. A partir dos nossos sonhos ganhamos um maior nível de compreensão sobre o que se passa na nossa vida interior.
Neste tempo em que nos devemos manter em casa, por que não anotarmos os nossos sonhos? Que tal fazer um diário de sonhos? É uma forma preciosa e muito surpreendente de nos olharmos e nos podermos pensar.
No tempo dos sonhos, não existe passado, presente ou futuro, pois o tempo e o espaço do sonho transcendem o pragmatismo do estado de vigília. Perante esse tempo sem tempo, misturamos acontecimentos passados com o que nos acontece agora e aquilo que antevemos para o futuro. Misturamos o desconhecido com o conhecido. Por vezes, reconhecemos estranhas versões de nós. Ultrapassamos os limites do tempo real e vivemos o paradoxo de uma realidade mais ou menos irreal.
Se nos apetecer escrever sobre os nossos sonhos, devemos fazê-lo sem qualquer censura. Anotamos, primeiro, tudo aquilo de que nos lembramos e, segundo, o que associamos. Ao escrever o sonho, o nosso pensamento vai para além do relatado e faz-nos pensar sobre o significado daquilo que sonhamos. Mesmo não possuindo qualquer conhecimento sobre a simbologia dos sonhos e não sendo suposto interpretá-los psicanaliticamente, podemos sempre atribuir aos nossos sonhos uma interpretação pessoal que nos fará refletir e aprofundar certamente mais conhecimento sobre nós. De forma lúdica, podemos brincar com as ideias e imagens que tais sonhos suscitam em nós. A partir delas e de outras associações e mais derivações, estimulamos a imaginação e o autoconhecimento.
É claro que nos apetecerá mais escrever e guardar os bons sonhos. Ao invés, os maus, talvez, ansiemos por esquecê-los. No entanto, permitirmo-nos olhá-los sem temor, poderá ajudar-nos a ultrapassar alguns medos. Nomear aquilo que nos atemoriza é meio caminho para diminuir a angústia. Um medo com nome é mais fácil de afastar.
Se neste momento não podemos viajar para fora, podemos viajar para dentro e aproveitar este tempo de permanência em casa, para um encontro diferente connosco próprios.
anaeduardoribeiro@sapo.pt