Jogos infantis, pessoas desesperadas e a expectativa de ficar milionário levaram a série coreana “Squid Game” ao sucesso. Um conjunto de indivíduos, que por fruto das suas circunstâncias pessoais estão dispostos a sacrificar a vida em busca de uma “pipa de massa”, estando esta guardada num mega porquinho mealheiro que vai pairando sobre as suas cabeças e vai crescendo a cada novo jogo. Será esta obra de ficção tão diferente da corrida ao PRR que atualmente vivemos?
A certo ponto, numa cave escondida, é encontrado um conjunto de ficheiros que comprovam a existência do jogo desde 1988, ou seja, tal como a corrida aos fundos europeus, o jogo perdura há várias décadas sem aparente dificuldade em arranjar candidatos ao grande prémio. Curiosamente o efeito final destes dois diferentes jogos é similar, continuar a ser um destino atrativo para estrangeiros endinheirados passearem a sua grandeza e a manutenção da capacidade de produzir cidadãos para os quais a raspadinha, totoloto, euromilhões, ou um porquinho mealheiro no meio da caserna são a última opção.
Os funcionários do jogo, imprescindíveis pois realizam todo o trabalho sujo, trocam o seu estatuto por uma pequena vantagem relativa sobre os jogadores. Vivem igualmente aprisionados, prestam vassalagem aos seus superiores e correm o risco de perder a vida em caso de incompetência. Sem esquecer a capacidade dos mais astutos desta classe para criar mecanismos de corrupção que permitam lucrar com os restos. Não será este o retrato de tanta gente em Portugal, que prefere manter o seu estatuto estável de “quase pobre” só porque está em vantagem relativa versus alguns milhões de desgraçados?
Numa transposição para o “jogo orçamental” em que nos encontramos, e que muito foi prejudicado pelas eleições autárquicas, já que retiraram tempo aos partidos para negociarem tranquilamente, o BE estará mais disponível a pagar o preço de eleições, pois não vê a sua existência ameaçada e já no ano passado se libertou do PS. Poderá naturalmente decrescer face à sua atual representação parlamentar mas será um mal necessário para um regresso à oposição e ganhar novo fôlego para crescer no futuro.
Já o PCP, que encolhe a cada eleição, parece ser o menos interessado em pagar o preço do voto contra. No entanto, para um partido que tem o seu eleitorado a “morrer lentamente” será preferível ir a eleições agora ou daqui a dois anos? Passar os próximos tempos, de forte regresso à luta sindical, colados ao governo, desvalorizando a importância dos sindicatos que lhe vão maquilhando as rugas, com novas formas de sindicalismo a emergirem, pode muito bem ser um dos últimos pregos no caixão comunista.
Mesmo para o PS, se se focar apenas no curto prazo pode parecer que evitar eleições é a solução ideal mas se o ciclo que se seguir for o de subida de inflação e consequentemente dos juros, em vez de retoma económica, podemos estar a dirigirmo-nos para uma nova crise da dívida. Com a habilidade que o PS tem para largar o poder no tempo correto, o resultado deste jogo vai ser um bom indicador do que os líderes socialistas pensam do futuro da nação.
A personagem que mais me impressionou em “Squid Game” foi a de um sábio ancião, com um conhecimento abrangente e estreita ligação com os “proprietários“ do jogo, capaz de explicar a dinâmica dos vários jogos infantis, intervir intensamente na definição de estratégias para os superar e fazer-se despercebido sempre que lhe é conveniente. Seria este comportamento desejável num Chefe de Estado?
Por fim é revelador que a única forma de sairmos deste jogo com vida seja através de uma votação maioritária, em que os participantes abdicam da possibilidade remota de chegarem ao grande prémio final. Significando isto voltarmos ao mundo real e enfrentarmos os nossos problemas, reconhecendo que, por muito festejado que todo o esforço dos jogos/anos anteriores tenha sido, tratou-se apenas de um exercício inútil e que em nada nos aproximou de sermos mais livres.