Enquanto gozamos o habitual mês de paragem nacional, tentando esquecer o impacto da inflação, degradação de serviços públicos e incêndios, o PS já prepara o futuro, centrado novamente no orçamento do próximo ano, o chamado futuro de curto prazo, perpetuando a navegação à vista sem nenhuma capacidade de projetar o médio-longo prazo. Contudo, este episódio será politicamente importante, pois marcará o mantra socialista dos próximos tempos:

O PS dá aos portugueses o maior aumento de rendimentos do século.”

Este novo mantra é um bom resumo do que é necessário para ganhar eleições em Portugal. Em primeiro lugar, nada mais eficaz de que começar a frase com “o PS dá”, pois todos sabemos que o estado se confunde com o PS e o que vem do estado é dado, sendo obviamente de desprezar a alquimia necessária para a criação de riqueza que o estado distribui. Por outro lado, como é óbvio, “o PS dá aos portugueses”, ou seja, aos mais de 2,8 milhões de portugueses que, reformados ou funcionários públicos, dependem diretamente do estado e se forem devidamente arregimentados são mais que suficientes para ganhar eleições. Por último, “o maior aumento de rendimentos do século”, nominalmente como é evidente, mas só os tolos dos economistas para tentarem explicar ao português comum que, por maior que esse aumento seja, não será suficiente para adquirir a mesma quantidade de produtos.

Enquanto isso, e em entrevista ao Diário de Notícias, o líder do meu partido, João Cotrim Figueiredo, declara que o “PS poderá querer OE2023 mais austero, para ter folga perto das eleições”, mostrando que ainda não domina a linguagem da política nacional. O PS nunca será austero, pelo menos com as pessoas, poderá cativar o investimento público até ao ponto de os serviços colapsarem, mas nunca falhará ao seu público-alvo. O orçamento de 2023 é mais uma oportunidade de o PS mostrar que, ao contrário dos fantasmas troikistas do passado, não governa contra as pessoas. No momento em que as dificuldades apertam e tudo parece desabar, o PS não desperdiçará a oportunidade de repor poder de compra nominal, garantindo um argumento eficaz para qualquer futuro debate eleitoral.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Os primeiros tempos deste governo têm sido marcados por uma evidente falta de objetivos e algum desnorte, sendo o orçamento 2023 um marco importante para o PS garantir uma narrativa tão importante como a da devolução de rendimentos, que marcou o legado da geringonça. Com um aumento de salários e pensões na casa dos 5% a 6%, o PS conseguirá cavalgar a onda do crescimento de rendimentos, que embora seja apenas nominal não será percebido como tal. Por exemplo, o trauma relacionado com os cortes da troika será sempre considerado superior ao atual, já que o valor que efetivamente recebemos no fim do mês não está a descer, apesar de a presente queda real de rendimentos ser superior.

Voltando à afirmação de João Cotrim Figueiredo, a possibilidade de um PS austero é mais uma esperança que uma crença, visto que um PS austero facilitaria imenso o caminho da oposição e limitava os danos da escolha que o próximo orçamento de estado implicará. Com um PS a querer subir fortemente a despesa pública, para repor nominalmente uma parte da perda que função pública e reformados registaram em 2022, o espaço não socialista terá que escolher um lado, não podendo simultaneamente defender que a inflação está a afetar os rendimentos dos portugueses e que a despesa pública não pode subir.

Será precisamente aqui que o PS vai entalar os seus adversários, encurralando-os entre a insensibilidade social que eficazmente usará como rótulo e a conversão ao universo dos socialistas gastadores, difícil de aceitar para a os eleitores menos estatistas. O espaço não socialista precisa de adotar uma solução de compromisso, não colocando na incapacidade de o PS ler a situação política todas as fichas. A função pública e reformados não podem registar uma perda real de rendimentos enorme, tendo obrigatoriamente de ver os seus rendimentos subir, especialmente no valor que corresponde ao cabaz mais básico de rendimentos.

Como tal, devemos encarar o próximo orçamento de estado com uma proposta de crescimento de rendimentos na ordem dos 6% a 7% até ao valor mediano de salários em Portugal (cerca de 950 euros), subindo 2% a 3% a parte que exceda esse valor. Simultaneamente, e para além da natural atualização dos escalões de IRS, deve ser proposta uma redução generalizada deste imposto, fazendo com que os trabalhadores com salários superiores ao salário mediano alcancem uma subida de rendimento expressiva e não fiquem mais uma vez prejudicados relativamente a quem tem rendimentos inferiores.

Naturalmente este aumento de rendimentos e redução de IRS terá algum efeito de prolongação da inflação e impactará as contas públicas, mas condenar as pessoas a cortes bruscos de rendimento não pode ser solução e só ajudará o PS a seguir a sua retórica de trave mestra imprescindível do regime. Aqueles que se limitarem a salientar a dependência da função pública e ainda mais aqueles que rejubilarem com os cortes que lhe estão a ser impostos, esquecendo que são indivíduos como quaisquer outros, que também sofrem pela ausência de estímulos que promovam a eficiência e mérito nos serviços onde trabalham, não se poderão vir lamentar no futuro de não conseguirem captar o voto de 750 mil (ou mais) portugueses.