Ao meu lado no átrio do prédio, um homem carrega sucessiva e repetidamente no botão do elevador. Este gesto, apesar da sua total ineficácia, é comum. Durante os anos em que trabalhei no hospital usava o acesso da Psiquiatria para chegar ao meu departamento. Nesse percurso, e ao longo tempo, fui observando a relação entre a insistência em carregar no botão e a gravidade da desorganização mental: algumas pessoas acreditavam mesmo que o elevador chegaria mais depressa se carregassem várias vezes no botão. No entanto, este gesto não é isento de função pois dá uma sensação de controlo a quem o faz. Não tem qualquer efeito sobre aquilo que pretende ter, a velocidade do elevador, apenas sobre o desgaste antecipado do botão.
Parada no átrio, à espera, dou por mim a imaginar como será a sensação de ceder a esse gesto inútil. É um conflito entre a confiança num mundo organizado, carregar num botão, a luz acender, o elevador mover-se, e a desconfiança num ambiente estranho, em que não se sabe o grau de participação necessária para que aquilo que é suposto acontecer, aconteça efectivamente. Esta visão do mundo é geradora de muita ansiedade.
Para se aceitar o que não se pode controlar, a velocidade de um elevador ou a contenção de uma pandemia, é necessário ter confiança de que a nossa percepção do mundo é adequada à realidade. Esta aceitação é psicologicamente exigente, o sentimento de impotência é dos mais difíceis de tolerar, talvez por ser o reflexo nítido da fragilidade da nossa condição humana.
Tenho pensado muitas vezes neste gesto inútil. Vejo o governo a carregar repetida e sucessivamente no botão com a exigência de certificados de vacinação completa, teste negativo ou prova de imunidade de sexta a domingo. Estes gestos inúteis, exigências legais, também cumprem uma função ansiolítica. O conselho de ministros carrega desenfreadamente no botão para que acreditemos que o elevador chega mais depressa, a normalidade, a segurança, a prosperidade. Para que acreditemos que as rotinas se mantêm entre o trabalho presencial e o teletrabalho, que os restaurantes estão abertos e funcionam, a hotelaria não está em crise nem há milhares de consultas de todas as especialidades em atraso, mortes por justificar, que o empobrecimento não galopa nem o desemprego, que a economia está em recuperação, o estado de direito garantido e a democracia vigorosa.
Cautelosos, fechámo-nos em casa. Diante do desconhecido, cumprimos. Avassalados pelo medo, submetemo-nos, empobrecemos, adoecemos e morremos. Talvez seja chegada a altura de seguirmos o exemplo de quem clama Pátria e Vida.