No dia 2 de Março de 2020 foi confirmado o primeiro caso de COVID-19 em Portugal depois de assistirmos em directo ao descalabro sanitário no norte de Itália, à desolação das famílias, às ruas vazias, aos funerais solitários.

Quase onze meses depois não há palmas nas varandas, nem o arco-íris nas janelas e não, não ficará tudo bem porque o passado não se apaga. Onze meses depois não podemos ouvir dizer não sabemos. Não sabemos como aconteceu, não sabemos porquê nem como. E não se pode, em definitivo, aceitar a culpabilização dos portugueses pelo governo. Como não se pode, de forma alguma, ter uma ministra que, quando confrontada com a falta de planeamento eficaz na gestão desta crise gravíssima, informa que é «criminoso pensar assim» e «uma espécie de bullying que existe sobre quem está a tentar fazer o melhor possível». Não há crime onde deve haver liberdade de escrutínio – também é esse o papel dos media, e o nosso, numa democracia madura ainda que, com tiques totalitários recentes de «falta de patriotismo», como afirmou o primeiro-ministro a propósito do vergonhoso caso do procurador José Guerra. O «melhor possível» faz quem se vê em teletrabalho com os filhos pequenos em casa e berbequins no andar de cima. O melhor possível é um improviso. E o melhor possível faz quem está horas na fila de espera para entrar nas urgências, seja o INEM ou os bombeiros sem vacinas e sem refeições. O melhor possível fazem as equipas de saúde quando prestam cuidados em condições de trabalho precárias e mal remuneradas. Da ministra da saúde espera-se profissionalismo. Planeamento. Como de um governo se espera aquilo que define um político: negociação.

Criminosa, bully e anti-patriótica pergunto: a negociação atempada com os privados não teria evitado a pré-catástrofe em que estamos? Ou a negociação com a esquerda radical, num país onde, ao que parece, só a direita se radicaliza, era mais importante? Porque estas perguntas são, antes de qualquer outra coisa, políticas num tempo de debates sem ideologia. A ideologia conta.

Os portugueses, nas legislativas, não votaram maioritariamente no Bloco de Esquerda. Nem no PCP. Votaram maioritariamente PS e PSD. Este era o mandato da maioria dos eleitores. Não as danças de salão de Antónia Costa com o Bloco, o PCP, o Pan. Mas, ainda assim, os portugueses ficaram reféns do ódio ao privado quando não é por requisição. A parceria com os privados na saúde chegou tarde por esta razão e não outra. Ainda no final de Outubro, o presidente da ARS de Lisboa e Vale do Tejo afirmou «neste momento, os nossos hospitais têm capacidade e temos algumas estruturas de retaguarda que também têm capacidade e, portanto, não se põe ainda nenhuma necessidade (…) Estamos ainda longe dessa situação.» E com a afirmação, confirmou a sua falta de visão e preparação, de planeamento eficaz: a seguir ao Outono de semi-desconfinamento vem o Inverno mais frio, o Natal, a gripe, o aumento expectável do número de casos. E vem a falsa segurança de um contacte-nos se os sintomas se agravarem e duas horas para ser atendido ao telefone, as urgências para além do limite, e a ausência de uma cama no hospital. Mortes às centenas.

O pior país do mundo. Nós sabíamos.

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