Há uma (ainda inexplicável) contradição na forma como Rui Rio está a gerir temas relevantes para a sua nova liderança. Por um lado, aparece de peito feito a condenar o abominável populismo, que rejeita — por outro, parece cair em tentações populistas, em que cede. E isso percebe-se facilmente em meia dúzia de recentes decisões e reações.
Comecemos pelo chamado “pacote da transparência”, que inclui medidas sobre o enriquecimento injustificado ou o lobby e que tem estado suspenso no Parlamento à espera do novo líder do PSD. A sua aprovação seria um importante avanço na ética e moralização políticas — mas Rio, que em tempos criticou “amigos e afilhados” no partido, reclama agora que transparência é populismo e demagogia e já avisou que não contam com ele para aprovar esse pacote… que muito faria pela sua popularidade.
Outra: o novo líder do PSD chama para a sua equipa nomes controversos, entre os quais o de Elina Fraga, antiga bastonária da Ordem dos Advogados, conhecida pela sua postura combativa, hostil, bem ao estilo de Marinho e Pinto. Às acusações de escolha “populista” e “imprudente”, mesmo dentro do próprio partido, Rio respondeu sempre com um sorriso, desvalorizou a polémica e manteve a sua decisão… populista.
Mais: Rui Rio veio defender reformas na justiça, diz que é preciso combater a politização da justiça, bem como evitar a judicialização da política. O problema, primeiro, é que não concretizou estas ideias (o que vai reformar exatamente? e vai entregar essa reforma nas nãos de alguém que contestou as mudanças do governo liderado por Passos Coelho?) Depois, a dúvida: com tantos processos e figuras relevantes visadas pela justiça, será este o melhor timing para mexer em algo que, finalmente, parece funcionar? Não se entende qual a orientação de Rio nesta matéria.
E ainda: as ideias económicas de Passos Coelho que pareciam aborrecer Rui Rio parecem ser agora as que inspiram o discurso do novo líder. Mesmo usando os argumentos do diálogo e da negociação com o PS e o Governo como se fossem paninhos quentes — manter a porta aberta, defende —, o certo é que atira as culpas da crise financeira para os socialistas, relembra a sua irresponsabilidade na quase bancarrota, fala em privatizações na área da saúde, elogia a necessidade de investimento ao mesmo tempo que diaboliza a euforia do crédito e do consumo das famílias, e até inclui na lista de tarefas aqueles cortes nas gordurinhas do Estado que faziam os pesadelos da esquerda. Por aqui, o velho faz-se novo, os neo-liberais voltam a ser neo-liberais. Então, quem é que não é populista, quem é?
Acidentais ou deliberadas, o certo é que estas pequenas contradições e incertezas complicam o trabalho de perceber o que realmente passa pela cabeça do novo líder do PSD, de saber para onde corre Rio – e de descobrir se o partido vai ser dirigido por um populista assumido, meio envergonhado ou radicalmente oposto a isso. Talvez ainda seja cedo para lhe colar um rótulo, talvez ele próprio ainda esteja a tomar o pulso e a avaliar qual a posição que lhe dará mais dividendos. Mas talvez seja bom também recordar o que foi uma das suas primeiras promessas no discurso de vitória, há pouco mais de um mês, quando prometeu uma oposição “firme e atenta”, mas “não populista”. Se não for isso que o orienta, o que esperar então?
E por falar em populismos.
Augusto Santos Silva escreveu um artigo de opinião no jornal brasileiro Folha de São Paulo sobre a influência das redes sociais e a sua força na substituição aos intelectuais. Sobre o assunto, avisa o ministro dos Negócios Estrangeiros, “a desinformação e o populismo alimentam-se um do outro, ambos representam enorme perigo para a vida pública democrática” e as fake news são um perigo latente para toda a sociedade.
Mais: há cinco erros a apontar a intelectuais e jornalistas. O primeiro é a arrogância de certos grupos e elites. O segundo é a traição, quando estas classes profissionais aceitam tornar-se “porta-vozes de ideologias”. Terceiro, o “descumprimento ostensivo da deontologia profissional”. Quarto, a autossatisfação, que leva a que acabem a falar uns para os outros. E, por fim, o que chama de “poder simbólico”.
Na parte biográfica, onde se destaca o facto de ser “licenciado em História com doutoramento em Sociologia e obra publicada sobre o debate público”, só faltou recordar que Santos Silva foi ministro de um governo de José Sócrates que muito se esforçou para controlar o trabalho de jornalistas e meios de comunicação social. Uma nota no currículo que lhe empresta pouca legitimidade para considerações morais ou éticas sobre os media e as suas falhas.