“Se querem tornar o mundo mais sustentável, venham trabalhar connosco” disse o vice-presidente de uma das marcas mais insustentáveis do mundo.
Donald Tang, vice-presidente da Shein, foi um dos oradores no WebSummit deste ano em Lisboa e no palco falou do uso da tecnologia para tornar a moda mais sustentável, acessível e inclusiva.
Já ouviste falar da marca de moda Shein? Trata-se de uma plataforma chinesa de e-commerce de artigos de moda e pioneira no modelo de retalho, com um valor de empresa de 100 mil milhões de dólares, que se tornou popular por vender peças muito acessíveis com a filosofia de que “todos podem desfrutar da beleza da moda”.
Mas qual é a beleza da moda para Shein?
No mês passado, o Channel 4 lançou um documentário sobre a Shein; funcionários foram enviados para duas das suas instalações na China com o objetivo de filmar secretamente as condições de trabalho da marca. A investigação secreta reuniu informações sobre exploração laboral, o que não surpreende, mas revelou ser bastante pior do que o esperado. Descobriram também que os trabalhadores de vestuário da Shein recebem quatro cêntimos por peça, trabalham até dezoito horas por dia e têm um dia de folga por mês. Algumas mulheres foram filmadas a lavar o cabelo na hora do almoço porque não têm tempo livre fora do trabalho para o fazer…
Será esta a beleza da moda a que Shein se refere no seu lema?
Nos últimos anos, a marca foi acusada de práticas laborais ilegais, de usar produtos químicos tóxicos nos seus produtos e de copiar designs de designers independentes, sem contar que a maioria das peças são feitas com fibras sintéticas que vem de combustíveis fósseis.
Talvez esta seja a beleza da moda que Shein quer tornar acessível para todos?
Na aplicação Good on You, que avalia a sustentabilidade e a ética de milhares de marcas ao redor do mundo, Shein foi marcada como “We Avoid” (nós evitamos). A avaliação da plataforma não foi a melhor, tendo produzido a declaração de que a marca utiliza “produtos químicos perigosos, produz muitas emissões de carbono e microplásticos”. Assim para a Good on You, “a Shein está a fazer zero esforço” na área da sustentabilidade e da ética.
No palco do WebSummit Tang falou da próxima grande aposta da Shein: o lançamento de um serviço de roupa em segunda mão chamado Shein Exchange, que já avançou nos Estados Unidos e que, disse, “é uma oportunidade para unir a comunidade”. A Shein Exchange foi lançada apenas quarenta e oito horas após o documentário do Channel 4, atrás referido. A marca afirma que esta nova plataforma visa promover o consumo consciente… mas há algo de consciente em consumir uma marca de fast fashion como a Shein?
Tang terminou a sua palestra em Lisboa convidando o público a trabalhar com eles caso queiram tornar o mundo mais sustentável.
A sustentabilidade na moda é, em última análise, comprar e consumir menos. O modelo de negócios da Shein está configurado para alimentar a procura, garantindo que quase sempre há algo novo que o consumidor deseja comprar.
Marcas que produzem em massa roupas baratas e de baixa qualidade perpetuam a cultura do consumismo e do descarte (chamada “throwaway culture” em inglês) e nunca poderão ser sustentáveis.
Anna Masiello tem 27 anos, é italiana e fez um mestrado em Lisboa em Estudos do Ambiente e da Sustentabilidade no ISCTE-IUL. É empreendedora e ativista ambiental, com foco no tema do consumo consciente, justiça climática e redução do desperdício. Fundou a startup R-Coat com a qual transforma guarda-chuvas partidos coletados pela comunidade em casacos e acessórios únicos, evitando emissões de gases de efeito estufa e contribuindo para uma indústria da moda mais sustentável.
O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.