Por várias razões – algumas das quais abordei aqui e aqui – não tenho qualquer dúvida que o status quo na TAP é insustentável e que a privatização da empresa é preferível à manutenção desse status quo. Mas tenho a cada dia que passa mais dúvidas sobre se a privatização será efectivamente preferível a deixar seguir o que seria o curso natural de uma empresa na situação da TAP em condições concorrenciais: a falência.

A situação actual da TAP é de uma empresa com um passivo muito pesado, uma necessidade urgente de capitalização, uma frota relativamente envelhecida e muitos anos de vícios acumulados. A opção de privatizar em vez de abrir falência salvaguarda, em princípio, mais os interesses dos credores e dos stakeholders internos da empresa (pelo menos no curto prazo), mas comporta um elevado risco de ser mais penalizadora para os contribuintes portugueses. Isto porque qualquer potencial comprador terá necessariamente em conta as fortes necessidades de injecção de capital na empresa, assim como as imposições do caderno de encargos da privatização.

Assim, é bem possível que a implementação da privatização só seja viável num cenário que implique custos substanciais (directos ou indirectos) para os contribuintes portugueses. Considerando adicionalmente as sérias dificuldades orçamentais do Estado português, é bem possível que a falência da TAP, seguida de uma retirada do Estado do sector, fosse preferível à privatização. As anteriores dificuldades para encontrar um comprador, assim como a situação interna da empresa, com uma constante chantagem por parte dos sindicatos, reforçam ainda mais a pertinência de ponderar seriamente a falência em alternativa à privatização da TAP.

Ler alguns dos principais argumentos apresentados para manter a TAP na esfera do Estado faz pesar ainda mais a balança para o lado da falência, em alternativa à privatização. Assim, Baptista Bastos, dando mostras de um nacionalismo económico e de um apego ao património do Estado que faria corar por pudor o Doutor Salazar, assegura-nos que a TAP é “um estado d’alma, uma emoção, um pequeno orgulho e a módica vaidade que nos resta” (“A TAP é minha”, Correio da Manhã, 17 de Dezembro). Já Joana Amaral Dias (“Lisboa Mundo”, Correio da Manhã, 17 de Dezembro) reivindica a utilização dos recursos dos contribuintes para garantir o direito fundamental de “embarcar em Lisboa para chegar a Luanda ou ao Recife”, porque não quer “ter de ir a Madrid”. Pelo meio, entre outros factores relevantes, esquece que uma boa parte dos portugueses – aqueles para quem o aeroporto de Lisboa não é o mais próximo – já hoje precisam de fazer uma escala (em Lisboa) para embarcar em muitos dos voos da TAP.

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No plano social, as implicações de curto prazo da falência da TAP – com um subsequente processo de reestruturação que podia ou não manter a empresa – não seriam irrelevantes, mas há boas razões para acreditar que não seriam dramáticas. O sector do transporte aéreo encontra-se em expansão a nível internacional pelo que não seria de esperar que os bons profissionais – não duvido, sem ironia, que há muitos entre os actuais trabalhadores da TAP – tivessem dificuldade em encontrar colocação noutra companhia num sector em crescimento.

No panorama europeu, as tradicionais “companhias de bandeira” estatizadas são, felizmente, um modelo em progressivo desuso. Além disso, sendo entendido que há obrigações de serviço público que importa assegurar, nada impede, dentro do respeito pelas regras da concorrência, que esses serviços sejam contratualizados com outras companhias que não a TAP, pelo que também essa via não é suficiente para justificar a continuidade da empresa.

Por todas as razões apontadas, o Governo faria bem em ponderar mais seriamente a falência da TAP como alternativa à sua privatização, em especial se mais uma vez se verificarem dificuldades em encontrar comprador para a empresa.

P.S.: Em artigo aqui no Observador, Alexandre Homem Cristo criticou a minha oposição à requisição civil na TAP e defendeu a opção do Governo. Percebo a lógica da argumentação, mas mantenho a discordância. Face ao que está em causa numa requisição civil (que seja levada a sério) em termos de restrição das liberdades individuais, mantenho que não se trata de um caso extremo que a justifique. Situações extremas, a meu ver, seriam, por exemplo, uma greve de controladores aéreos que colocasse em causa o uso do espaço aéreo nacional, uma greve de transportes de mercadorias que colocasse em causa o abastecimento de bens de primeira necessidade ou uma greve na saúde que não assegurasse serviços mínimos.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa