O ministro da Economia e do Mar, António Costa e Silva, descuidou-se e atreveu-se a sugerir uma descida transversal do IRC de 21% para 19%. Caíram-lhe em cima o Carmo, a Trindade e a máquina trituradora do Partido Socialista. Para quem faz da distribuição de benesses uma forma de vida, uma redução de impostos nunca pode ser universal, porque bem mais importante que a redução de impostos em si é o anúncio solene de quem se quer favorecer em cada momento com cada medida.

Para o governo, todos os anúncios de alterações fiscais são cerimoniais e proclamam sempre quem é o grupo a quem se oferece a prebenda. O IRS não baixa, mas anuncia-se uma esmola para os mais novos, através do IRS jovem. O Partido Socialista é amigo dos jovens. Os impostos aumentam para todos via inflação, por não atualização dos escalões do IRS em anos sucessivos, mas anuncia-se o bónus que o desdobramento de escalões oferece a centenas de milhares de famílias. O Partido Socialista é amigo das famílias. Os noticiários encarregar-se-ão de passar a mensagem de que 1,5 milhões de portugueses serão beneficiados, ignorando que quase todos serão prejudicados.

Anunciam-se benesses aos agricultores com uma cortesia no gasóleo agrícola, ajudas às empresas de transportes, descontos nos passes para quem anda de transporte público. O Partido Socialista é amigo dos agricultores, dos camionistas e dos utentes dos transportes.

Somos permanentemente bombardeados com anúncios de novas medidinhas, mas da única vez que um ministro sugeriu uma medida a sério, foi de imediato desautorizado. O Partido Socialista tem muitos amigos, mas na festa só pode entrar um grupo de cada vez.

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Analisemos o que o ministro sugeriu. O mapa que a Tax Foundation publica anualmente, mostra que Portugal é já o país europeu da OCDE com a mais alta taxa de impostos obre empresas, a taxa que soma IRC, Derramas Estaduais e Derramas Municipais.

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A alteração proposta por António Costa e Silva faria com que Portugal passasse de primeiro para segundo lugar, ficando apenas ligeiramente melhor que a Alemanha, que é hoje o segundo classificado neste triste campeonato. Era uma atualização com impacto mínimo, mas que pretendia sinalizar os investidores de uma mudança de rumo na política fiscal. Por sugerir que Portugal tivesse a segunda taxa de impostos sobre lucros mais alta da Europa, o ministro foi enxovalhado na praça pública. Para os nossos tax lovers, Portugal não pode ser segundo. Tem de continuar a ser o pior.

A taxa máxima de IRC não se aplica a todas as empresas em nenhum país, uma vez que há sempre benefícios, incentivos e deduções fiscais, exceções, e taxas autónomas de tributação. Em Portugal as derramas estaduais são escalonadas em função do patamar de lucros. E há impostos especiais sobre bancos ou empresas do sector energético. Ou seja, as empresas, em média, não pagam 31,5%. Segundo o Banco de Portugal, “os dados micro das empresas não financeiras portuguesas entre 2010 e 2019 mostram que a ETR(Taxa Efetiva de Impostos) média calculada considerando no denominador o EBT (resultados antes de impostos) tem permanecido relativamente estável em torno de 25% nos últimos anos”. Ainda assim, é possivelmente a mais alta taxa de esforço das empresas em toda a OCDE.

Em Portugal, a taxa máxima aplica-se apenas às empresas que cujos lucros excedem os 35 milhões de euros por ano – as grandes empresas. Imaginemos os decisores de uma qualquer multinacional a escolher o país onde pretendem investir na Europa, esperando conseguir um negócio rentável e obter grandes lucros. Escolhem Portugal, onde a empresa será tributada em 31,5% em grande parte desses resultados, ou optará pela Hungria onde a taxa é 9%, pela Irlanda onde é 12,5%, pela Roménia onde é 16%, pela Lituânia onde é 15%, ou pela Polónia onde é 19%, tal como na República Checa? A escolha do local para um grande investimento pode ser complexa e demorada, mas eliminar Portugal das opções é fácil e imediato.

Alguém no governo terá reparado que estes países, dados como exemplo, são dos que mais enriqueceram nas últimas décadas em toda a Europa – ao passo que Portugal está paralisado?

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É fácil entender que há dois clusters na Europa, que podem ser vistos no gráfico. O dos países que crescem e o cluster dos estagnados – sendo Portugal, entre 1999 e 2019 o terceiro país da União Europeia que menos cresceu, derrotando apenas a Itália e a Grécia.

Refira-se que alguns países que podem não mostrar taxas baixas são pequenos paraísos fiscais para grupos especiais de empresas. O Luxemburgo é, tradicionalmente, sede de fundos de investimento, a Holanda de holdings empresariais (SGPS, em Portugal), a Irlanda recebe as grandes tecnológicas, a Lituânia atrai fintechs. Portugal também é um pequeno paraíso fiscal para reformados estrangeiros. E mesmo Malta, que tem uma taxa estatutária de IRC de 35% e que assim aparece como um outlier no gráfico é também um paraíso fiscal, onde grande parte das multinacionais não pagam mais de 5%. O mundo dos impostos sobre empresas não é um mundo a preto e branco, mas é fácil constatar que os países a que alguns chamam paraísos fiscais crescem bem mais que os que são evidentes infernos fiscais.

Como se não bastassem os excessos fiscais, há toda uma restante burocracia que faz com que seja muito mais eficiente investir em alguns países e evitar outros. E também aí Portugal não sai nada sorridente na fotografia. O Banco Mundial publica regularmente um indicador a que chama “Tempo Necessário para Preparar e Pagar Impostos”, uma estimativa do número de dias de trabalho que uma empresa média gasta para cumprir obrigações fiscais impostas pelo Estado. Na União Europeia, em 2019, apenas 3 países com antigas burocracias herdadas do comunismo fizeram pior que Portugal: Polónia, Hungria e Bulgária. Em Portugal a empresa-tipo gastava 243 dias de um trabalhador para lidar com a carga administrativa imposta pelo estado no campo dos impostos. Na Estónia esse valor é de 50 dias, no Luxemburgo 55, na Irlanda 82, na Lituânia 95. Com as continuas exceções e regras que se vão inventando por tudo e por nada em cada orçamento, este é um dos indicadores que podem vir a piorar nos próximos anos.

O facto de Portugal ser um pesadelo fiscal e burocrático para grandes empresas não é sinónimo de não receber investimento estrangeiro. Portugal pode ser apelativo porque a estagnação das últimas décadas faz com que os salários caminhem para se tornar dos mais baixos da UE e os trabalhadores mais qualificados são bem aproveitados pelas multinacionais a custo baixo. Para participar no mercado interno, as empresas estrangeiras sabem que estão a competir com outras empresas sujeitas ao mesmo quadro regulatório, pelo que não se sentem em desvantagem.

As empresas podem vir, mas o que raramente fica em Portugal são os lucros dessas empresas. Os serviços prestados por Portugal são vendidos a preços próximos do custo. Os preços de transferência, que só os burocratas acreditam ser controláveis, alocam os lucros onde o montante a pagar por esses lucros é mais baixo. De tal forma isto é assim que o peso do IRC no PIB de Portugal é praticamente igual ao da Irlanda, apesar das taxas cobradas serem muito diferentes. Em 2019, a receita do Estado com o IRC representou 3,11% do PIB em Portugal e 3,05% na Irlanda, sendo que o PIB per capita na Irlanda é duas vezes e meia superior ao de Portugal.

Apesar desta situação desastrosa, vivemos um período em que se exige tributação de lucros excessivos, lucros inesperados, lucros aleatórios, lucros extraordinários, lucros ilegítimos, inventando-se um novo adjetivo quase todos os dias. São muitos os membros do governo, do Partido Socialista e também de outros partidos à esquerda e à direita, que embarcam nesta onda do quanto pior, melhor. Situação por vezes divertida, é ver os nossos tax lovers apontar o exemplo de países de baixa fiscalidade quando estes anunciam as suas windfall taxes, sem compreenderem que mesmo depois de aplicarem essas tributações especiais, as empresas desses países ficam a pagar muito menos impostos que as suas congéneres em Portugal.

Há alguns anos, Portugal viu sair para a Holanda a quase totalidade das holdings das empresas que faziam parte do principal índice da Bolsa. A atitude responsável perante esta debandada seria entender o que a Holanda está a fazer bem e nós mal. Em Portugal prefere-se sempre a atitude irresponsável: culpamos a Holanda pelos nossos pecados. Eles é que estão mal, nós somos os bons. Temos um longo caminho a percorrer. Infelizmente, como tão bem demonstram as reações pífias à sugestão do ministro Costa e Silva, ainda não estamos preparados para dar sequer o primeiro passo.