Acreditando (com alguma reserva) na velha máxima “ano novo, vida nova”, gostaria de dar o meu contributo para a reflexão que temos vindo a assistir sobre o nosso território nacional, propondo uma nova visão de território, um território inteligente e inclusivo em que o desenvolvimento está intimamente interligado com o aumento da sustentabilidade e da resiliência.

Hoje, mais do que nunca, assistimos a uma consolidação da ideia de que o território e o seu correto planeamento e usufruto são, simultaneamente, um direito e uma obrigação de todos, numa verdadeira visão 4.0 em que o território é de todos, construído por todos e para todos.

Para que tal seja efetivamente uma realidade, é indispensável dispormos de um correto modelo de desenvolvimento territorial, integrado e colaborativo, associado a um planeamento proactivo, flexível e capaz de se adequar às dinâmicas sociais, económicas e ambientais, constituindo-se, assim, numa ferramenta indispensável para um desenvolvimento coeso, sustentável e inclusivo.

Nesse sentido defendo que, para alcançar estes objetivos, devemos apostar em quatro dimensões de intervenção:

1. Conhecimento e inteligência

O desconhecimento é o maior desafio que os territórios enfrentam, assumindo-se como um verdadeiro problema de subdesenvolvimento.

Existe uma necessidade imperiosa de conhecermos os nossos recursos. Em particular, a existência de um cadastro integral de todo o país, independentemente do uso do solo (um cadastro meramente florestal, embora vital, não cumpre totalmente este objetivo), mas também outras dimensões indispensáveis para apoiar um correto planeamento e gestão dos nossos recursos. Conhecimento este materializado em bases de dados de recursos naturais, serviços, equipamentos, infraestruturas, entidades, projetos de investimento, resultados de I&D, etc., publicadas seguindo políticas de dados abertos, o que teria um efeito absolutamente explosivo no aumento da transparência, de maior participação, de obtenção de ganhos de eficiência e melhoria de serviços, bem como induziria o desenvolvimento económico com a criação de novos produtos e serviços.

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Esta aposta no conhecimento terá, necessariamente, de passar por assegurar, em paralelo com a disponibilidade de dados, o acesso a estes mesmos dados, mediante a garantia de uma cobertura integral do território nacional de infraestruturas capazes de assegurar o acesso à Internet com qualidade e idealmente a custo zero.

2. Cooperação institucional

É inquestionável a necessidade de revisitarmos o modelo de articulação e colaboração existente entre os protagonistas pela promoção da coesão territorial.

Efetivamente, é indispensável mudar e apostar em abordagens bottom-up, envolvendo efetiva e ativamente os atores locais. Temos de inverter as tradicionais estratégias top-down, tipicamente assentes em abordagens sectoriais e centralistas, entregando a liderança do processo aos que conhecem e governam em proximidade o território, assumindo a administração central um papel secundário e de suporte.

Apenas envolvendo os reais protagonistas que localmente podem e devem ter um papel ativo na construção da inteligência territorial será possível ambicionar ter sucesso, de forma sustentável e resiliente, na batalha pela coesão territorial e por um Portugal para todos e de todos os cidadãos.
Neste ponto não posso deixar de recordar com satisfação o processo de reintrodução do Lince Ibérico em Portugal.

Perante a realidade de uma espécie que à época se encontrava totalmente extinta no nosso país e classificada “em perigo crítico” de extinção a nível global, apenas foi possível ter sucesso porque houve um esforço notável e empenhado de um conjunto de atores que, apesar de prosseguirem interesses sectoriais próprios distintos (que à partida pareceriam até antagónicos), conseguiram encontrar pontos comuns em prol do futuro da espécie do Lince Ibérico e de um território de excelência.

Ao contrário do que muitos pensavam, foi possível a administração (central e local), as organizações não governamentais do ambiente (ONGAs) e as organizações representativas do sector agro-florestal e da caça trabalharem em conjunto, assegurar que estavam reunidas as condições necessárias para que a reintrodução se realizasse, o que hoje se traduz na existência de sensivelmente 500 exemplares de Lince ibérico na Península e numa evolução para a classificação da espécie como “em perigo”. Um esforço que deu resultado, mas que importa prosseguir, garantindo que os meios necessários e a colaboração entre todos os atores envolvidos continua e terá sucesso.

Hoje podemos assistir ao envolvimento de todos os setores locais no projeto e comprovar como uma medida de conservação de natureza pode ter impactos económicos relevantes no território (basta observar os cartazes na A2 promovidos pelo município de Mértola).

3. Remuneração dos ecossistemas

Se acreditamos na necessidade de combater a desertificação humana no interior do nosso país e queremos enfrentar a realidade da crescente urbanização, temos de idealizar um modelo capaz de garantir qualidade de vida, nas suas mais diversas dimensões (educação, saúde, emprego, lazer, cultura, etc.), àqueles que asseguram a sustentabilidade destes territórios, com a sua presença e as respetivas atividades.

Neste sentido, há que assumir, inequivocamente, a relevância dos serviços dos ecossistemas – que no nosso país são profundamente humanizados – e implementar mecanismos de remuneração dos mesmos, através de redistribuição dos impostos cobrados nacionalmente, benefícios fiscais e apoios à captação de investimento e criação de empregos.

Se reconhecemos o valor da coesão territorial devemos estar dispostos a construir modelos de remuneração da mesma.

4. Turismo de cocriação

Defendendo a necessidade de conservar e preservar os nossos recursos, em particular o nosso capital natural e cultural, é hoje para todos inquestionável o potencial do mesmo no sentido de gerar novos modelos de negócio, capazes de despertar o interesse de um novo turismo, de elevado valor acrescentado, que procure experiências únicas e identitárias com uma forte ligação à natureza e à cultura locais.

Portugal tem, portanto, de optar, definitivamente, por uma forte aposta no capital natural e na diversidade cultural, como alavancas para um novo modelo de turismo capaz de potenciar e levar mais longe o sucesso inquestionável dos nossos destinos tradicionais, maioritariamente Lisboa, Porto e Algarve. Porque Portugal é muito mais do que o turismo de sol e mar ou que a identidade das maiores cidades. Portugal é natureza, história, cultura e tradição, do norte ao sul, do litoral ao interior, do continente às regiões autónomas.

Neste âmbito, o turismo de natureza assume especial relevância, quer pelo novo modelo de desenvolvimento dos territórios de baixa densidade, quer pelas novas tendências de cocriação turística, que se adaptam perfeitamente aos requisitos de visitação. Os turistas são, cada vez mais, participantes ativos no território, que não só consomem, mas também criam, anotam ou melhoram a qualidade dos dados que constituem a base de experiências, gerando esse mesmo turismo de cocriação.

E, efetivamente, o tempo que vivemos pode constituir uma oportunidade de ouro para dinamizar novos destinos e levar o turismo para territórios ainda hoje desconhecidos, nacional e internacionalmente, e que, devido à qualidade das nossas infraestruturas, se encontram a poucos quilómetros de distância dos grandes aeroportos internacionais.

Perante estes novos desafios, termino como comecei: o nosso território é de todos! E por isso mesmo, deve ser construído e gerido por todos e para todos.

Miguel de Castro Neto é professor da Universidade Nova de Lisboa – Information Management School (IMS). Foi Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza entre 2013 e 2015, no XIX Governo Constitucional.